quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Ou consequência?

Fala-se demais no conceito de verdade. Luta-se pela excelência como se em tudo tivéssemos que ser excelentes. Como se todos os livros das bancas tivessem que ter o mesmo carimbo de qualidade, não havendo espaço para a liberdade de escrever mal. Quando fiz o post das fadas reparei que a opinião dos que têm a paciência de me comentar se dividia: a relação com alguns trabalhos de Paula Rego é de amor/ódio. Não de indiferença. Porque apesar de tudo há uma cotação internacional que pesa no cuidado com que a criticamos.

A verdade é que nunca sabemos dizer a verdade, verdadinha, aquela que pensamos no momento, aquela que fere mas é totalmente aproveitável para nosso conhecimento pelos outros. A verdade é que somos condicionados pela necessidade de ter cuidado com os sentimentos alheios (o que serão os sentimentos alheios se nem os nossos conseguimos avaliar?). A verdade, bem verdadeira, é que, como Papagueno ou S. Pedro, mentimos para defender os nossos redutos íntimos de pensamento ou a nossa consciência social. Uma, duas, três vezes, fechados a cadeado ou com a consciência a doer, quando aprenderemos a ouvir os outros?

A verdade é a terrível consequência de não sabermos dizer verdades simples e armarmos em psicólogos, médicos, orientadores matrimoniais, padres, videntes, toda a casta de sabedorias alternativas que por desgaste vão convencendo o pessoal da felicidade que os espera.

Com ela nos cegam e nos impedem de lutar como devemos. Com a verdade. A que sangra, a que dói, a do peito. A que traz consequências. A que vale a pena.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Coisas do mundo do concreto



A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.



(Fadas sentidas por Paula Rêgo e Alberto Caeiro)

domingo, 21 de outubro de 2007

Sombra do vento

"No podía oír su voz o sentir su tacto, pero su luz y su calor ardían en cada rincón de aquella casa y yo, co la fe de los que todavía puedem contar sus años com los dedos de las manos, creía que si cerrava los ojos y le hablaba, ella podría oírme desde onde estuviesse."

Carlos Ruiz Zafon

Closing the Gap


Porque é importante divulgar bons trabalhos e saber onde encontrar recursos, mantermo-nos informados e construir, mais que criticar.

Esta iniciativa terminou ontem e estão já disponíveis online os seus resultados, quer a nível de reunião de investigadores, quer quanto a produção de materiais. Fácil de encontrar e bem indexado o site, vale a pena passar por lá e ter uma ideia do que se faz neste momento em tecnologias de assistência a necessidades especiais e ler algumas comunicações que nos podem sempre vir a lembrar a importância de aproximar distâncias.

Infelizmente nenhuma revista portuguesa que me tenha passado pelas mãos referiu esta iniciativa. Infelizmente continuam a ser publicados artigos sobre tecnologias adaptativas tristemente desactualizados e sem quaisquer referências.

Qualquer dia não compro semanários...

domingo, 14 de outubro de 2007

Geração em sobrecarga

Muito se diz sobre o que se não conhece. Em fase de São Adolescente, sinto-me honrada por ter ao meu lado alguém que começa a ter consciência do mundo, opiniões próprias, autonomia. Talvez seja um caso particular o meu, considerando que sei por experiência directa que não é por estarmos ao lado dos filhos que nada lhes acontece. Daí que lhes confesse, em início de post, que detesto quando me chamam mãe galinha ou quando de forma geral analisam a minha postura em relação ao meu filho. Evito fazer essa análise em relação aos outros. Pode magoar e nem temos a noção da floresta em que nos estamos a meter.

Genericamente, a sociedade, esse bicho que somos nós, exige comportamentos padrão, como quando se trata de lidar com os outros tivéssemos um Hitlerzinho albergado na alma, que pergunta pela nossa boca: "porque não fizeste as minhas escolhas?". Raiando o patético... porque ainda não namoras, porque não te casas, porque te vais casar, porque não tens filhos, porque não adoptas, porque educas desta forma e não de outra, porque, porque, porque, desde as opções mais privadas às que transparecem a público, tudo é dissecado como se devessemos ler de manhã à noite livros de auto-ajuda e passar a vida num psicólogo, cidadãos certamente ininputáveis quando não assumimos as opções maioritariamente consideradas correctas.

Mas disto todos temos consciência, afasto-me da minha ideia inicial que era, de facto, contar uma história. É que por vezes agimos por instinto. E se for o amor a orientar esse instinto, pode ser que resulte, mesmo que não venha nos manuais ou nos conselhos assertivos dos amigos.

Mais que proibir, trata-se de orientar, ou seja, dar opções, dar alternativas, mostrar mais coisas, não que saibamos viver melhor aos 40 que aos 14, mas já percorremos mais caminho. Vi portanto com o meu filho dois filmes considerados pesados para a idade dele, violentos, baseados em histórias reais, na nossa história do século XX. Em casa, que gosto de debater o que vejo. E debati. E chegámos a uma conclusão. Que os jogos que os adolescentes jogam online, em que cortam pacificamente a cabeça aos colegas com que vão ter aulas e almoçar no dia seguinte, são identificados a tempo como ficção, as armas caem por terra quando visionada uma história em que se percebe o que elas nos podem afectar directamente como já afectaram - e continuam - o mundo dos homens. O horror que não passa num olhar para uma notícia de telejornal talvez passe em duas horas de filme sobre pessoas que se não tiveram aqueles nomes tiveram outros e tinham pai, mão, amigos, vida e não acharam nada divertido estar a jogar em real num palco de guerra. Também é bom perceber que muitos nem sabiam porque lá estavam e que dos dois lados havia estruturas humanas boas e más (acredito que existe um bem e um mal, embora a fronteira seja em graus de cinzento).

Não é difícil falar com um adolescente. Não estão em fase de ver contos de fadas como ontem tive o prazer de ver com um amigo. Estão em fase de desafio e de conquistar o mundo. Os contos de fadas são eles, se os deixarmos. Abrir a passagem no muro para que vejam tudo e possam criar as suas próprias estruturas com o máximo de informação. Sem censura. Mas com potencial para que criem os seus próprios padrões éticos. Sempre, em liberdade e diálogo.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Zangam-se as comadres




Hoje não resisto... Por demais, as discussões sobre as alterações aos impostos sobre rendimentos dos cidadãos portadores de deficiência. A meu ver, o nonsense completo. O que deviam ser movimentos de discussão associativa são batalhas pela auto-promoção individual ou mesmo publicidade pessoal ou institucional, o que é grave. Nos blogs, movimentos de apoio. Nas listas, outras batalhas, de retórica, que implicam moderação, o que é muito triste. No fim, ninguém levará a sério movimentos desconexos por muita razão que tenham. E entristece-me pensar que os movimentos associativos no nosso país estão corrompidos, que as iniciativas da sociedade civil nenhum peso exercem. Vivemos na ditadura dos interesses do mais forte. Tipo cadeia alimentar. Em paralelo, quem quer fazer algo, faz à margem da estrada principal e pela ternura. Não conta com os outros nem com o estado. Não acredita já em deveres nem em direitos, entra na via da acção directa. Não é criticável. Criticáveis são as zangas de comadres de quem é inconsciente. Momentos de união precisam-se. Evitem-se as reuniões e debates e promova-se o trabalho de grupo eficiente (sem d) para que os direitos que já são tão poucos consigam ser, se não alargados, pelo menos mantidos. É que quando lutamos, há outros que não podem sequer exprimir a sua opinião e estão dependentes do nosso empenho e sentido de humanidade.

Desgostos:

1. Inconsciência de quem devia estar informado;
2. Existência de um estado de ditadura, de actuação impune e consensual;
3. Incapacidade absoluta de união e organização dos portugueses em movimentos coerentes de intervenção quanto aos seus direitos.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Canto de uma manhã em esperança


Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfémia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 7 de outubro de 2007

Goalball

Informações sobre o jogo por aqui. Confesso que nunca tinha acompanhado uma partida, embora me tenham passado já pelas mãos muitas destas bolas pesadas e sonoras e conheça alguns praticantes desta modalidade. Que tal voltar a investir, nas nossas escolas, na formação de equipas, em vez de continuar a haver recusas de alunos cegos nas aulas de educação física?

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Lembrar




A Revolução republicana, manifestação popular, Palácio da Independência, Joshua Benoliel, 1910, Arquivo Fotográfico Municipal,
AFML - A25802








Sempre gostei mais de pessoas que de datas. Por isso hoje, que é feriado e penso, só, junto à minha janela, sinto pessoas e as datas me esquecem. A paisagem muda com o tempo sempre que olho e a pequena quinta junto à minha casa muda as cores das culturas e o caiado da casa e do portão de lata. Os moínhos de água giram mais com as datas de vento e as pessoas passam vestidas de outra forma. Em 1910 como seria esta zona? A História é das pessoas, as datas são uma espécie de roupa, o que permanece, a paisagem dos passos que mudam, na verdade, o que os cerca e abrem ou fecham trilhos para si mesmos ou para todos. Conforme. Com forma de História este dia que seria igual aos outros se não tivessem nele pessoas mudado rumos como a formiguinha do carreiro. Mais que 5 de Outubro me lembro de uma pessoa pequenina que fazia grandes memórias e é nele que penso hoje desde manhã. Não são os chamados grandes que fazem a História e a História nada mais é que o presente e as memórias que uns homens construíram sobre as acções dos outros. Será? Hoje penso que sim. Por isso penso em Joshua Benoliel.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Vermelho como o céu


Acabada de chegar a informação, de listas de partilha de informação sobre acessibilidade, amabilidade do Diogo, a quem agradeço. Este filme desperta a minha curiosidade enquanto trabalhadora, cidadã e aluna destas matérias dos sentidos e da sua história que é, necessariamente, a da relação dos homens e das suas diferenças e circunstâncias. Também das suas lutas e dos seus direitos. A não perder.

As cores são como o vermelho do céu ao entardecer...