quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Evil Machines



We all have monsters
You couldn't see mine,
But it was as real as can be.

We all have monsters.
But can we face them?
Harder to do than say.



We all have monsters
And they're lurking in our heads
Round street corners, under beds.

Did we make them up or are they real?

Or is it just a case of how we feel?

sábado, 26 de janeiro de 2008

Gritar


Foi quando compreendi

Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!




José Régio

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Restauro

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Como sugestão de fim-de-semana, porque não uma visita ao MNA? Museu com preocupações de integração e bem-estar de todos os seus visitantes, preparado para acolher pessoas na sua riqueza e diversidade, com recursos bastante razoáveis de acessibilidade à estrutura e à informação. Preparado para acolher também pessoas de todas as faixas etárias. Com um delicioso jardim interior onde é agradável ler, com um simpático café que é indispensável visitar dado que era a cozinha do convento de Clarissas em que esta unidade museológica se encontra instalada. O espólio é interessante, está documentado e integrado em espaços verdes, exposições temporárias e na riqueza do próprio edifício original. Para ir com calma, em boa companhia (pode ser de um livro).

Fundamentais: a vista de Lisboa pré-terramoto, o factor humano e a felicidade de escapar ao consumismo desenfreado que força os visitantes a sair pela loja (neste caso é, agradavelmente, um espaço alternativo e não imposto). Não necessariamente por esta ordem.
Faz falta conhecer e respeitar as nossas memórias, refugiar os olhos na arte, explorar as informações sobre o saber-fazer. Viajar no tempo, trabalhar conceitos belos que podem valer individualmente ou em conjunto, ter histórias de si mesmos e histórias de todos os que as contaram. No final, a mensagem é de respeito pelo trabalho humano e pela criatividade, essa irmã da liberdade, valores a resgatar (restaurar?) e a dignificar. Sobretudo pela metáfora de que unidos (restaurados enquanto família, enquanto humanidade) somos bem mais belos, valiosos e úteis.

Restauremo-nos, pois...



quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Nada

A. Rodtchenko, A Pioneira, 1930.


"Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.
À parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo."


Álvaro de Campo, Tabacaria.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A dimensão da poesia

Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas

Ele subia com as asas


Que lhe brotavam da mão.


Mas tudo desconhecia


De sua grande missão:


Nao sabia por exemplo


Que a casa de um homem é um templo


Um templo sem religião


Como tampouco sabia


Que a casa que ele fazia


Sendo a sua liberdade


Era a sua escravidão.


De fato como podia

Um operário em construção


Compreender que um tijolo


Valia mais do que um pão?


Tijolos ele empilhava


Com pá, cimento e esquadria


Quanto ao pão, ele o comia


Mas fosse comer tijolo!


E assim o operário ia


Com suor e com cimento


Erguendo uma casa aqui


Adiante um apartamento



Além uma igreja, à frente


Um quartel e uma prisão:


Prisão de que sofreria


Não fosse eventualmente


Um operário em construção.


Mas ele desconhecia


Esse facto extraordinário:


Que o operário faz a coisa


E a coisa faz o operário.


De forma que, certo dia


À mesa, ao cortar o pao


O operário foi tomado


De uma subita emoção


Ao constatar assombrado


Que tudo naquela mesa


- Garrafa, prato, facão


Era ele quem fazia


Ele, um humilde operário


Um operário em construção.


Olhou em torno: gamela


Banco, enxerga, cadeirão


Vidro, parede, janela


Casa, cidade, nação!


Tudo, tudo o que existia


Era ele quem fazia


Ele, um humilde operário


Um operário que sabia


Exercer a profissão.



Ah, homens de pensamento


Não sabereis nunca o quanto


Aquele humilde operário


Soube naquele momento


Naquela casa vazia


Que ele mesmo levantara


Um mundo novo nascia


De que sequer suspeitava.


O operário emocionado


Olhou sua própria mão


Sua rude mão de operário


De operário em construção


E olhando bem para ela


Teve um segundo a impressão


De que não havia no mundo


Coisa que fosse mais bela.



Foi dentro dessa compreensão


Desse instante solitário


Que, tal sua construção


Cresceu tambem o operário


Cresceu em alto e profundo


Em largo e no coração


E como tudo que cresce


Ele não cresceu em vão


Pois além do que sabia


- Excercer a profissão -


O operário adquiriu


Uma nova dimensão:


A dimensão da poesia.



E um fato novo se viu


Que a todos admirava:


O que o operário dizia


Outro operário escutava.


E foi assim que o operário


Do edificio em construção


Que sempre dizia "sim"


Comecou a dizer "não"


E aprendeu a notar coisas


A que não dava atencao:


Notou que sua marmita


Era o prato do patrão


Que sua cerveja preta


Era o uisque do patrão


Que seu macacão de zuarte


Era o terno do patrão


Que o casebre onde morava


Era a mansão do patrão


Que seus dois pás andarilhos


Eram as rodas do patrão


Que a dureza do seu dia


Era a noite do patrão


Que sua imensa fadiga


Era amiga do patrão.


E o operário disse: Não!


E o operário fez-se forte


Na sua resolução



Como era de se esperar

As bocas da delação


Começaram a dizer coisas


Aos ouvidos do patrão


Mas o patrão não queria


Nenhuma preocupação.


- "Convençam-no" do contrário


Disse ele sobre o operário


E ao dizer isto sorria.



Dia seguinte o operário


Ao sair da construção


Viu-se subito cercado


Dos homens da delação


E sofreu por destinado


Sua primeira agressão


Teve seu rosto cuspido


Teve seu braço quebrado


Mas quando foi perguntado


O operário disse: Não!



Em vão sofrera o operário


Sua primeira agressão


Muitas outras se seguiram


Muitas outras seguirão


Porém, por imprescindivel


Ao edificio em construção


Seu trabalho prosseguia


E todo o seu sofrimento


Misturava-se ao cimento


Da construção que crescia.



Sentindo que a violência


Nao dobraria o operário


Um dia tentou o patrão


Dobrá-lo de modo contrário


De sorte que o foi levando


Ao alto da construção


E num momento de tempo


Mostrou-lhe toda a região


E apontando-a ao operário


Fez-lhe esta declaração:


- Dar-te-ei todo esse poder


E a sua satisfação


Porque a mim me foi entregue


E dou-o a quem quiser.


Dou-te tempo de lazer


Dou-te tempo de mulher


Portanto, tudo o que vês


Será teu se me adorares


E, ainda mais, se abandonares


O que te faz dizer não.



Disse e fitou o operário


Que olhava e reflectia


Mas o que via o operário


O patrão nunca veria


O operário via casas


E dentro das estruturas


Via coisas, objectos


Produtos, manufacturas.


Via tudo o que fazia


O lucro do seu patrão


E em cada coisa que via


Misteriosamente havia


A marca de sua mão.


E o operário disse: Não!



- Loucura! - gritou o patrão


Nao vês o que te dou eu?


- Mentira! - disse o operário


Nao podes dar-me o que é meu.


E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coração


Um silêncio de martirios


Um silêncio de prisão.


Um silêncio povoado


De pedidos de perdão


Um silêncio apavorado


Com o medo em solidão


Um silêncio de torturas


E gritos de maldição


Um silêncio de fracturas


A se arrastarem no chão


E o operário ouviu a voz


De todos os seus irmãos


Os seus irmãos que morreram


Por outros que viverão


Uma esperança sincera


Cresceu no seu coração


E dentro da tarde mansa


Agigantou-se a razão


De um homem pobre e esquecido


Razão porem que fizera


Em operário construído


O operário em construção


Vinícius de Moraes

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Mudanças

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.


Luis de Camões


Certamente que não nos banhamos duas vezes na água do mesmo rio. Bom é pensar no bom que houve e não esquecer o mal pelas razões certas (não acredito nessa história de se aprender com o mal, acho sobretudo que se deve aprender a evitá-lo, não forma o carácter, por vezes destrói-o).

Teorias de Maria que não valem um chavo. Tempos de mudança, tempo que muda quando olho pela minha janela, quando inicio uma nova fase dentro de uma fase comprida demais da minha vida, que me marcou porque nada escorre por nós como água. Alterou-se a paisagem da janela do meu quarto, a mesma que fotografo sistematicamente porque gosto de rever a passagem das estações, o cultivo dos campos, medir o trabalho dos homens no mundo - quanto tempo ainda o velho moínho a ronronar com o vento, na cor de cobre que o dias lhe deram?

A chuva alterna com um sol que agora aprecio, emoldurado por nuvens coloridas e imprevisíveis. Mudar não nos acontece, como um sol que se põe ou que acorda. Mudar envolve-nos e, como diz o sábio poeta, de cada vez a mudança parte de um terreno diferente porque se baseia na pessoa que somos e que todos os dias cresce. Com esperança de manter a criança no coração e remar eternamente com desejos de descoberta. Para lá da mudança em torno, instaurar dentro de nós a mudança que queremos e ser-lhe fiel até à curva seguinte do caminho.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Nada mais

Há dias assim, em que nos deixamos ser felizes.

Nada mais importa.

Conferir no poema, ouvir a harmonia.

Sermos nós e rasgarmos no tempo que nos é dado a nossa circunstância.

Assinar a vida com amor.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Regressos


"Quando durmo muitos sonhos, venho para a rua, de olhos abertos, ainda com o rastro e a segurança deles. E pasmo do autonomismo meu com que os outros me desconhecem. Porque atravesso a vida quotidiana sem largar a mão da ama astral, e os meus passos na rua vão concordes e consoantes com obscuros desígnios da imaginação de dormir. E na rua vou certo; não cambaleio; respondo bem; existo. Mas, quando há um intervalo, e não tenho que vigiar o curso da minha marcha, para evitar veículos ou não estorvar os peões, quando não tenho que falar a alguém, nem me pesa a entrada para uma entrada próxima, largo-me de novo nas águas do sonho, como um barco de papel dobrado em bicos, e de novo regresso à ilusão mortiça que me acaletara a vaga consciência da manhã nascendo entre o som dos carros que hortaliçam. E então, em plena vida, é que o sonho tem grandes cinemas. Desço uma rua irreal da Baixa e a realidade das vidas que não são ata-me, com carinho, a cabeça num trapo branco de reminiscências falsas. Sou navegador num desconhecimento de mim. Venci tudo onde nunca estive. E é uma brisa nova esta sonolência com que posso andar, curvado para a frente numa marcha sobre o impossível. Sou igual. E por detrás de isso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito."

Sonho de Bernardo Soares
Barcos de Amadeo