terça-feira, 29 de abril de 2008

*Peter*


"Of course, it also shows that Peter is ever so old, but he is really always the same age, so that does not matter in the least. His age is one week, and though he was born so long ago he has never had a birthday, nor is there the slightest chance of his ever having one."

J. M. Barrie, The Little White Bird, 1902.

domingo, 27 de abril de 2008

O voo das abelhas nos dias rápidos demais















Tantos dias sem escrever, tantos dias com os movimentos parados, olho o voo das abelhas em torno da minha janela, lembro o cidadão Muybridge, um artista, que se dedicou a parar as acções, analisar os tropeços e inconsequências das coisas banais e de outras que importam fixando-as atentamente, sabendo olhar e ver e mostrar.

Outros escreveram nestes dias, outros cidadãos, Kátia Catulo, bom trabalho, saber ouvir.

Dias de recordar o que é escrever e não poder ser lido, dias de recordar o que é compor e não poder cantar. Merecia bem mais empenho a cerimónia de dia 25 na RTP 1. Mas chegou-me ouvir a Pedra Filosofal (en)cantada por Manuel Freire e sentir que valia a pena.

Para lá do visível são as sensações, dias cheios, dias férteis, ressaca de coisas a mais, ressaca de mim, olho o livro de outros passeios sem ser o de Kátia, olho a capa que guarda a narrativa do cego Holman.

Nos dias que guardam muitos dias, dias a mais, o tempo nunca é de menos para sentir a persistência dos homens.

sábado, 19 de abril de 2008

Prender


Comecei um post, depois de pensar em vários, divago demais, pesam-me os últimos dias, embora esta tarde morna a ameaçar arco-íris me console. O dia meio doce e meio amargo, vontade de abraçar quem não está, vontade de me despreocupar de mim. O jantar cá em casa é frango, refeição que estica em canja e arroz acrescentado para mais cinco, e vou ser aparentemente arrastada para a Cinemateca, Betty Boop ainda a seduzir. É uma tarde que tarda em palavras e se as não escrevo escapam-se-me, melhor fixá-las. Sorrio com Calvin e penso nos caminhos kafkianos da minha semana, nesta liberdade falsa de não ter que fazer, na explicação de francês, na estrutura do curso, na arrumação de um armário, nas notícias que tardo receber, no carro que virou a matrícula e é o mesmo, na identidade do bilhete, neste bilhete que escrevo por aqui para me lembrar que sou, sem me perder numa gaveta ou numa rotunda, vou ao cinema depois de jantar, esperam por mim, tomarei café numa esplanada com chuva, dormirei a sonhar com bonecos que dançam, dançarei até segunda-feira, criançarei pela semana fora, melhor deixarmo-nos levar pelas coisas e pelas palavras, como folhas, como se líquidos, como se a vida nos escorresse de uma alma que ainda não conhecemos e esperar num cantinho de nós que soltem o arco-íris e nos deixem, de um suspiro só, ser felizes.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Descansar


"Sabes? Eu sei de um modo de descansar quando quiseres... O teu planeta é tão pequeno, que podes, com três passos, dar-lhe a volta. Basta andares lentamente, bem lentamente, de modo a ficares sempre ao sol. Quando quiseres descansar, caminharás... e o dia durará quanto queiras."

Antoine de Saint-Éxupéry, O Principezinho.

Fragmento 117

"A maioria da gente enferma de não saber dizer o que vê e o que pensa. Dizem que não há nada mais difícil do que definir em palavras uma espiral: é preciso, dizem, fazer no ar, com a mão sem literatura, o gesto, ascendemente enrolado em ordem, com que aquela figura abstracta das molas ou de certas escadas se manifesta aos olhos. Mas, desde que nos lembremos que dizer é renovar, definiremos sem dificuldade uma espiral: é um círculo que sobe sem nunca conseguir acabar-se. A maioria da gente, sei bem, não ousaria definir assim, porque supõe que definir é dizer o que os outros querem que se diga, que não o que é preciso dizer para definir. Direi melhor: uma espiral é um circulo virtual que se desdobra a subir sem nunca se realizar: Mas não, a definição ainda é abstracta. Buscarei o concreto, e tudo será visto: uma espiral é uma cobra sem cobra enroscada verticalmente em coisa nenhuma.

Toda a literatura consiste num esforço para tornar a vida real. Como todos sabem, ainda quando agem sem saber, a vida é absolutamente irreal, na sua realidade directa; os campos, as cidades, as ideias, sao coisas absolutamente fictícias, filhas da nossa complexa sensação de nós mesmos. Sâo intransmissíveis todas as impressões salvo se as tornarmos literárias. As crianças são muito literárias porque dizem como sentem e não como deve sentir quem sente segundo outra pessoa. Uma criança, que uma vez ouvi, disse, querendo dizer que estava à beira de chorar, não «Tenho vontade de chorar», que é como diria um adulto, isto é, um estúpido, senão isto: «Tenho vontade de lágrimas». E esta frase, absolutamente literária, a ponto de que seria afectada num poeta célebre, se ele a pudesse dizer, refere absolutamente a presença quente das lágrimas a romper das pálpebras conscientes da amargura líquida. «Tenho vontade de lágrimas»! Aquela criança pequena definiu bem a sua espiral."

Bernardo Soares

terça-feira, 8 de abril de 2008

Onde estás?

E murmura para si:
Nada sabem das coisas do fogo.
Os dons mais profundos do
homem murcham dentro deles.
Deverei amá-Ios?


Herberto Hélder



Isto de se morrer de repente é estranho de mais, onde estás, Paulo? Fiquei um bocadinho zangada com a vida, tu não deixarias, farias o teu sorriso tímido e engasgar-te-ias entre o tratar-me por tu ou por você, eu refilaria contigo logo de seguida (então!). Julgo que me não deixarias zangar com a vida, que me dirias para continuar no caminho e fazer o meu melhor deste percurso cheio de curvas e alguns abismos. Fiquei um bocadinho zangada com a vida que te trouxe por perto e que me fazia sorrir de manhã com uma rosa no messenger ou um arco-íris e aqueles bonecos animados que tu escolhias com o tempo de quem tem tempo para pensar nos outros e no que os faz sorrir. No tempo de quem tem tempo para ter cuidado.

Procuro as tuas folhas, os quatro textos que me deste quando almoçámos, quando num dia de sol passeámos e falámos de coisas importantes e de outras sem importância nenhuma, no dia em que me perdi por Setúbal e te liguei do estádio do Vitória e me foste indicando o caminho por telemóvel com uma paciência inédita (nunca exigir o que não podemos, dar de nós o nosso melhor, encontramo-nos a meio caminho).

No dia em que te enterneceste com o JP, no dia em que bebemos coca-cola de lata com uma palhinha e eu segurava no carro o teu corpo que se desfazia com os solavancos, um corpo que era teu e que tu vias de longe, a cadeira que tinha um tabuleiro que eu não sabia arranjar e tu ensinavas, o teu corpo tão leve como uma pena, tão leve como um bebé muito leve (lembraste-me, sabes, a leveza, a cor, acho que sabias e nunca te contei, acho que leste as minhas feridas de guerra).

Os teus textos, o teu amor pela escrita, as folhas - trazes, Maria? - encaixadas num livro pelo teu companheiro de quarto sem voz, só ternura, tapando a cara, olhando com olhos de longe, com olhos de medo, depois mais perto, depois a mão e um sorriso cheio do amor que precisava, um sorriso como um abraço, uns olhos muito claros, de ver um mundo que nós não temos o privilégio de ver. O livro era Os Passos em Volta, de Helberto Hélder, capa cor-de-laranja - também gosto muito, como não? - as outras folhas eram histórias, um caso de apoio que tinhas prestado a um companheiro de casa, um texto sobre a condição de deficiente, dois textos sobre a escrita, procuro-os sem cessar entre os papéis sobre a minha mesa e teimam em não aparecer e preciso tanto deles para ouvir a tua voz.

A voz que mantiveste bonita, a voz calma - podes-me arrumar o corpo? - de sábio, de pai de uma tribo, a voz que entrava no jogo da fantasia ou no pragmatismo da acção e porque dói tanto pensar agora no telefonema que fiz para o teu nome, Paulo Rilhó - Paulo Rilhó - que a tua mãe atendeu e eu sem crer que era a tua mãe, onde estavas, e eu ontem no carro com chuva, depois de dias sem rosas no messenger e sem arco-íris, depois de preocupada com um telefonema de um amigo comum. A voz não era a tua, nunca compreendi como mantiveste a voz pura e clara como a escrita, mas ainda bem. A voz não era a tua, já não a tinhas, já não a tens.

Agora não sei onde estás e preciso tanto de te falar da entrevista de emprego do Luís, do computador da Inês, da feira deste fim-de-semana, temos os contactos com as associações e tens que me ajudar a preparar uma das aulas, lembras-te? Sem voz, Paulo, como vamos fazer, meu querido? Como vamos preparar a reunião de Maio, com todos os do grupo? E a carta para as Fundações? Como irei buscar a tua cadeira vazia para dobrar no meu carro e passear até ao Tejo, em dias de azul, sem a voz entre almofadas negras, sem a voz, sem as mãos pequeninas - pões-me a direita sobre a esquerda, por favor, Maria? - e o livro ao lado, as fotografias que tirámos, tu a indicar, eu a carregar no botão.

Como vou fazer para dizer a todos os que te amam que a tua voz foi com o teu corpo para o mundo das memórias e o livro de Herberto Hélder ficou fechado, com os teus textos a marcar as páginas? Como vou sorrir de manhã sem as rosas no messenger e os projectos na alma?

Talvez o teu corpo liberto agora, a voz sussurra-me perto que estás, as mãos mexem-se de novo e acho que me abraças porque a vontade de chorar passou e me apetece beber coca-cola numa esplanada junto ao Tejo e fazer planos de mudar o mundo.

Para mais perto das pessoas belas.

domingo, 6 de abril de 2008

Concertar


Fim-de-semana agitado, em que se concerta por Lisboa e pelo Porto. Fiquei por fora dos concertos, deambulei por aí, revi algo da cidade ao sol, que Abril vai fugindo à regra e nós à lã. O mar estava bonito, visitei-o, mas foi na cidade que vi o meu grafitti preferido mudar de desenho em palavra. Sózinho, o autor? Ou apenas, à espera (estar só não é destino, é ritmo, é, apenas, uma esperança ou um tempo)? Desenho, desejo, concertados (concertar é acertar em conjunto?).

Vai ser uma semana saudável (sem concerto, com convite).

sexta-feira, 4 de abril de 2008

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Fadas



"A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer."

Alberto Caeiro
Ilustração de Wayne Anderson