domingo, 25 de maio de 2008

Para a outra margem


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o tejo não mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,
O Tejo tem grande navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro


Na minha aldeia ama-se e quando as nuvens fazem frio destapamos o sol para que as crianças possam brincar melhor. Na minha aldeia é sempre verão. Na minha aldeia há um rio que é mais belo que o Tejo quando não é o Tejo mas muitas vezes é o Tejo e nele nos embalamos pela tarde fora, devagar.

Na minha aldeia não se corre, seguem-se os ponteiros devagar, há tempo para parar e deixar os outros correr, uns correm porque sim, outros nem por isso. As casas tem nome, mesmo que seja um número e as pessoas deixam o nome escrito nas janelas para que todos os lembrem quando foram apanhar o sol ou pintar os barcos que descem o rio até ao outro lado.

A minha aldeia tem dois lados, um lado de dentro e um lado de fora, para que não seja fácil, que os caminhos fáceis cansam e desanimam, quem gosta de levantar a cabeça para sonhar e bater no horizonte ali tão perto? O horizonte quer-se largo e longe, para que se navegue até cansar. Então se páram os trabalhos, num abraço, num cansaço de fim-de-dia a pedir colo, numa cama, numa casa com vidrinhos, talvez uma colcha de rendas, talvez uma flor. A minha aldeia tem um jardim onde as pessoas são flores e sorriem quando se passeia onde já foram.

Hoje, na minha aldeia, a tinta do sol e o rio levaram-me de mim, despida de lágrimas, encharcada em sol e em calor, a um onde em que encontrei o outro lado de um sonho e pintei outro horizonte.

Quem está ao leme não é mais feliz que quem se deixa navegar para a margem de si.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Diz


Diz homem, diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.


Eugénio de Andrade

domingo, 18 de maio de 2008

Quero


Quero uma vida em forma de espinha
Num prato azul
Quero uma vida em forma de coisa
No fundo dum sítio sozinho
Quero uma vida em forma de areia nas minhas mãos
Em forma de pão verde ou de cântara
Em forma de sapata mole
Em forma de tanglomanglo
De limpa-chaminés ou de lilás
De terra cheia de calhaus
De cabeleireiro selvagem ou de édredon louco
Quero uma vida em forma de ti
E tenho-a mas ainda não é bastante
Eu nunca estou contente


Boris Vian (1920-1959)

domingo, 11 de maio de 2008

Um caso sério!


Isto de se ser crescido é um caso sério! Perde-se a benesse de brincar e quando brincamos parecemos engravatados a dizer piadas de infâncias desmerecidas. Por outro lado quando falamos sobre brincar a sério ninguém nos dá credito porque já não estamos em idade de brincar, excepto, claro, quando é a brincar. Todos queremos ir - muito mais que os nossos filhos - ver o Indiana Jones, eterno herói. Todos queremos ser heróis e desafiar o mundo e, sobretudo, os maus. Todos queremos ser bons. Na realidade somos professores severos, pais que ralham, filhos que se esquecem, profissionais que se atrasam. Eternos endividados à banca das emoções, vingamo-nos com fato completo e capa aos fins-de-semana quando damos uma corrida pela praia e dois pontapés na bola, julgamo-nos livres, que bons actores somos para nós mesmos.

Um caso sério ser crescido e querer tanto, ainda, brincar. Um caso sério amanhã ser segunda-feira e termos brincado ao fim-de-semana em vez de o viver com a sabedoria que os anos que já caminhámos nos deviam permitir usufruir. Sem medo de decisões e justiças, sem medo de enfrentar consciências, sem medo de sorrir, sem medo de ter opinião. Sem medo de sermos nós quando necessário. Sem medo de brincar a coisas sérias quando nelas acreditamos.

Porque se pode ir de gravata comer um hamburguer ou de calções ter uma reunião, não vestimos a nossa personalidade por medo, as roupas são apenas um invólucro, não uma defesa. Porque se pode cantar no duche mas também na rua, porque se pode e deve abraçar e beijar as pessoas que nos rodeiam, porque se pode correr e ser alegre.

Um caso sério querer dar destino a resmas de ternura, querer ser apaixonado, querer o mundo e ter que se ficar pelo GoogleEarth, olhar a lua de longe e ninguém levar a sério nada do tudo que queremos.

Por isso, também, às vezes, nos podemos zangar. E não é a brincar, é a sério. É muito a sério assumirmos o que somos e o que sentimos, sermos coerentes connosco e fiéis a nós mesmos, não termos medo e sobretudo viver sem ter que parecer, não apenas parecer viver ou viver a parecer que sim.

Um caso sério, sermos nós.

sábado, 10 de maio de 2008

Famosos anónimos


Um projecto fabuloso.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Reflexão tardia

Fotografia de Hellen Keller em 1888 (NFB)


Chego tardia a um encontro de reflexão proposto pelo Miguel, grande amigo e grande dinamizador da blogosfera. Pede-me o Miguel seis palavras que tenham um significado especial. Pelos meus interesses pessoais e pelos meus afectos, porque tudo o que é causa é o nosso âmbito querido para questionar, lembro seis palavras de Hellen Keller:

O que procuro está em mim.

O que é uma longa procura e nos faz pensar que há muitos Principezinhos por este mundo, valorizando os invisíveis cheios de significado, elevando os sentidos à sua justa medida e sobrevalorizando-lhes o sentir interior. Nas suas palavras, também, nada há de mais terrível que poder olhar e não ver. Ou ainda, melhor caminhar na sombra com um amigo que sózinha na luz.

Tudo é relativo. Tudo é passível de interiorização. Tudo pode e deve ser questionado. Todas as nossas capacidades estimadas. E todos os nossos esforços conduzidos na direcção de nós, enquanto membros de direito da família Humanidade.

Não adianta correr para chegarmos a nós...