terça-feira, 21 de abril de 2015

Papoilas e árvores

As papoilas, claro, muito mais frágeis e no entanto o que cortamos são árvores. As papoilas, inúteis de tão belas e as árvores cheias de potência de sombra, resina, frutos, madeira e com o tempo contado para as desendeusarmos. Nas papoilas talvez bichos pequeninos, nas árvores até os homens podem morar. E no entanto, a fragilidade perene, as semelhanças da dor e da cor de sangue e de vida, as nossas histórias que podiam incluir uma de amor entre duas espécies vegetais se fossemos cientistas que não somos e por isso podemos, apenas, ficar um bocadinho tristes todos os dias em que se perdem as qualidades complementares e inúteis que constituem os sentimentos dos nossos pequenos mundos.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Lago






Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Fernando Pessoa

Lígia

Numa semana em que me queixo interiormente do que me vão descobrir pelas entranhas dentro, estranho uma ausência de coragem e incentivo na pessoa de uma grande amiga e colega de faculdade. A Lígia era um sorriso onde todos desanimavam. Onde qualquer um teria desanimado. Depois da minha primeira operação teve uma conversa fantástica comigo, realista, animadora, cheia de sabedoria. Falou-me do mês em que tinha parado tudo só para estar com o neto e passear e nadar e aproveitar as pequenas-grandes coisas que a vida, apesar de tudo, nos dispõe. Gostava de ter a tua força, minha amiga, não só para as coisas físicas como para a palavra separação, cujo significado não me entra. Tu eras professora e continuo a mastigar as tuas lições sem ter a capacidade de as entender na totalidade. Hoje, sabes muito mais que eu. Foste muito mais que muita gente. Mas gostaria de te ter tido ao lado mais um pouquinho do caminho...