Um verão é uma espécie de bolo por arrefecer, uma tentação numa cozinha de mãe ou coisa assim, um festejo descansativo, um mar que arrepia, uma expectativa.
Não escrevi no meu verão. Estive alegre, umas vezes, triste, outras. Talvez mais alegre por fora e triste por dentro. Porém, os amigos, esse nosso em-redor do coração que aquece sem a falsidade do verao que se espera todos os anos e não chega.
Um verão nunca chega para nada. Verão os que esperam, se lhes chegou para alguma coisa senão para agravar as dores e mudar as cores para rodas de pastas de escola e lápis bonitos por estrear. Os gatos gostam mais do outono, o que é sempre agradável.
Agora volto. Tenho a minha sala de visitas por aqui. Hoje estou cansada. Podemos mudar a nossa vida todos os dias. Como uma Alice que vire ou parta ou inverta o espelho.
Defendi o meu projecto de tese. Tive 17. Escrevi que um espelho é uma máquina de ver as pessoas em relevo, para quem vê. Parece que não gostaram de ler. Foi um senhor cego que escreveu isto no século XVIII. No outro dia o meu filho perguntou-me com quem gostaria de falar, do passado. Talvez com Diderot:
"A natureza só fez uma quantidade muito pequena de seres, que variou ao infinito, talvez um só por cujas combinação, mistura, dissolução todos os outros foram formados."
Diderot, Éléments de physiologie.