quarta-feira, 25 de junho de 2008

Caminhos de cor


Não entendo nada da vida a não ser este ridículo pesar do amor em tudo o que procuro, os caminhos de cor, procuro sempre os caminhos que sei de cor. Nos meus percursos, nas minhas empatias, nas pessoas que conheço ou reencontro, encontro sempre uma Maria longínqua que gostava de ter sido, uma espécie de Maria que foi e ainda será, um espelho fosco dos meus ideais nos outros que vou admirando ao longo da estrada.

São de cor os caminhos e as pessoas que me procuram - ou, provavelmente, as que me encontram. São de cor as músicas que ouço, os filmes que vejo, os livros que leio, como se nada de novo houvesse, realmente, debaixo do sol que me aquece de verdade.

É bom um dia em que me cruzo com seres admiráveis e sem idade, com história tão díspares como galáxias, tão harmoniosos como Stairway to Heaven que ouço enquanto os dedos escrevem por mim e me pensam um bocadinho mais claro, com um bocadinho mais de cor.

É bom um dia em que me recordo, em que sei de cor, os passos dados noutros dias com o mesmo nome, dias de descoberta, de encontros com sentido, com sentidos, com sentires, mais que arco-íris dentro de vidas, mais que verões por chegar, adiados, conhecidos de cor antes de acontecerem, esperados, sofridos, esperançados, caminhos de cor, caminhos de cor, quantas vezes passamos por aqui sem nos vermos?

Sabermo-nos de cor é deixarmo-nos colorir com o coração que bate em nós e nos outros, que descompassa ritmos de crianças que se não envergonham de o ser, é deixarmo-nos amar, é sabermos o não e o sim que combinam com os sonhos que temos desde que respiramos e é encontrar sempre algo perdido, sabido e esquecido e voltado a saber, a sabor, de cor, com o coração.

Dar cada passo como o primeiro e o último, como o início e o desespero de cada tentativa, caminhar de cor, caminhar de cor, saberemos orientar-nos, de verdade, noutra direcção?

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Paratodos


"Não há ventos que não prestem

nem marés que não convenham

nem forças que me molestem

correntes que me detenham."

António Gedeão


Para todos os que puseram a bandeira à janela para os jogos da selecção e escreveram lençóis de tinta ou terabites de comentários a respeito, para todos os que ajudaram a parar o país para reunir força moral para os nossos jogadores, para todos os que ontem se entristeceram, para todos os que assistirão aos jogos olímpicos, para todos os que batalham e desistem, para todos os que não aprendem a lutar com as características que realmente têm e não com as que gostavam de ter, para todos os que alguma vez desanimaram, para todos os que já desistiram um dia, para todos os que não chegaram a tentar, para todos os que não os conhecem, para todos os que não acreditam:


deixem-se guiar.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Ups




"After Jacob had worked for Laban for seven years,
do you know what happened?
Laban fooled him and gave him his ugly daughter Leah.
So to marry Rachel, Jacob was forced to work another seven years.
So, you see, children, the Bible clearly teaches us
you can never trust an employer."

Perchik's lesson in Fiddler on the Roof

Claro





ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer


Planeta Tangerina a rimar com António José Forte

Há dias.

domingo, 15 de junho de 2008

Bio-afectos


Ando farta de gente fria a debitar jornalismo escrito e falado. Que é isto de pais biológicos, famílias biológicas? O termo entrou na moda e entrou mal. Os meus pais não se limitaram a conceber-me, acompanharam o meu crescimento, amaram-me (amam-me), apoiaram-me (apoiam-me). Não sei que é isso de pais biológicos, a herança genética existe e pode gerar empatias e simpatias entre os membros de uma família, mas não existe sem afecto. O acto de conceber é - devia ser - um acto de amor. Por isso, quando vejo casais a preparar a chegada dos seus bebés, fico enternecida. Por outro lado, conheço muitos casais que não querem ou não podem ter filhos. E não se amam menos por isso. Conheço ainda casais que adoptaram o(s) seu(s) filho(s). E são família, igualzinha às anteriormente mencionadas.

Tal como não me parece justo que se diga que os pais que adoptam os seus filhos são menos pais que os que os concebem, também me parece discriminatório que se pregue o contrário. Nas revistas cor-de-rosa (e nos programas cor-de-rosa, uma manifestação de interesse sociológico-depressivo que descobri recentemente) são elogiados os VIPs que adoptam, como se parecesse mal não ser exercida uma caridade universal, um amor alargado, um endeusamento da função familiar. Penso em quantas desses crianças não crescem pela mão de baby-sitters, seguranças...

Ser pai é ser pai e ser mãe é ser mãe. Um filho gerado e um filho adoptado são filhos e ponto final. A herança genética indica os nossos progenitores. É uma leitura simples e directa. Não fala de afecto, de preparação, de desejo, de expectativa, de sacrifícios. Por isso, herança genética temos todos, nem todos temos é amor nas memórias de infância. E o amor tanto nos chega do coração dos pais que nos geraram como dos que nos assumiram como filhos.

O que me leva a outra linha de pensamento: a retórica subjacente a estes assuntos é doentia. Como se os pais ditos biológicos tivessem que gramar com as criancinhas que lhes saem na rifa e os pais ditos afectivos tivessem escolhido cuidadosamente quem vão receber em casa e na vida.

Não se escolhem filhos. Não é um namoro, boa? É um amor tão incondicional que ultrapassa critérios. Por isso também não compreendo os problemas que existem em termos de limite de idades para adoptar, problemas em adopções feitas por uma só pessoa ou por pessoas que vivam em uniões de facto que, de facto, a nossa sociedade vitoriana ainda não assuma. Se não se escolhem filhos, muito menos se escolhem pais...

Já passei por um processo de adopção. Desisti no momento em que vi circundada por questões preversas. Não estava a escolher um animal de estimação, não estava a escolher a cor de um carro, não estava a escolher a roupa social que me iria caracterizar, nas idas ao café, de mãozinha dada comigo. Estava a manifestar ao estado português a minha disponibilidade para acolher na minha vida uma criança que não tivesse pais, estava a manifestar a minha disponibilidade para aceitar uma criança com herança genética diferente da minha, como minha filha.

Respeitem-se as estruturas familiares, independentemente da sua origem e constituição. Famílias biológicas, afectivas, biológico-afectivas, biológicas-e-nem-por-isso-
afectivas... Famílias são equipas que moram e se constroem em conjunto. Sem mais definições sobre DNA, orientação sexual, credos ou berços. Com tudo o que de lato e de concreto caiba no conceito.

Família é a moldura da nossa identidade. Respeite-se.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

"Madness with method"

Hamlet, Acto 2, Cena 2.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Corridas

Pelas notícias de hoje, fosse eu criatura de senso e teria passado a manhã a encher o depósito do carro e a dispensa. É certo que tudo está inflaccionado e que a vida não está fácil para a raça dos trabalhadores. Mas será correcto este movimento preverso de desinformação e consequente pânico consumista?

Serei certamente ingénua. Mas não me parece que o reabastecimento de Chocapic e de gasóleo me dê mais conforto ou autonomia, sobretudo não resolve questões económicas nacionais que devem ser pensadas.

Correm hoje, os portugueses, entre praias, bombas de gasolina e supermercados. Nem têm tempo para pensar se são felizes ou se podem remediar problemas nacionais ou supra-nacionais votando mais vezes e sobretudo votando mais esclarecidos. Porque os quadros directivos desta empresa em que nos albergamos são eleitos por nós. E corremos para todos os lados consoante o vento e as notícias frescas, sabendo, esclarecidos, que não é a raça que se celebra hoje, sacudindo as bandeiras nacionais por causa de um campeonato em que queremos ganhar mais que competir, ficcionamos participações e liberdades, activismos e causas.

Faltas? Só se for de senso. A minha raça, se o conceito existe, é a humanidade. Não sou superior nem inferior a ninguém, os meus padrões de avaliação não são comparativos com características físicas ou nacionalismos baratos, centram-se em mim mesma e nos meus valores.

Em tempo de crise trabalha-se mais. Em tempo de prepotência prepara-se a mudança. Não me parece que correr na direcção do nosso umbigo nos salve ou redima de algo. Nao me parece sobretudo que correr nos encaminhe na direcção de soluções que residem em nós mesmos.

Vivemos entre anacronismos e ficções. Quem cuida do nosso presente?

domingo, 1 de junho de 2008

Dia dedicado


"Aos filhos dos homens que nunca foram meninos."

Soeiro Pereira Gomes, Esteiros.
Ilustração da capa de Álvaro Cunhal.