quarta-feira, 4 de maio de 2011

O gato que comia rosas

Na minha janela, o meu gato, meu, meu, meu, que possessivos, que imperiosos nos tornámos, tenta comer duas rosas numa jarra cheia de água e luz, onde arco-íris boiam afogados pela falta de sol dos dias agridoces.
(a que saberão as rosas?)
O trabalho noutras janelas defronte de mim, com  pensamentos em prioridade hedonista sobre dever e  prazos que me trariam paz.
Em Abril há flores amarelas nas traseiras da minha casa (meu, meu, meu, como se me quisessem arrancar a vida e esta defensiva fosse única). Nas traseiras, o velho moínho que já nem o vento mais forte faz girar. Suponho que há um momento em que enferrujamos de vez e nem a maior intempérie nos volta a fazer funcionar, nem os gritos do vento, nem os desejos da vizinha da janela pequena, nem as ameaças de Quixote, nada faz mover os mecanismos e vozes de nos embalar. Fora de tempo.
(caíram duas folhas da rosa pequena)
Em Maio, os espaços por preencher, os caminhos das papoilas, os vazios a encher de letras e as memórias definidas, bem demais, em xadrez, casa preta, casa branca, dia branco, dia negro, as pedras em que caminhamos e não nos cabe o presente quando somos sempre pequenos demais e as luzes dos anúncios a mandar acabar o dia já tão longe, no tempo em que os moínhos e as rosas e os gatos livres na rua de ninguém.
(de quem serão as folhas que caem)
Faz muito mais sentido sermos pétalas que folhas.

2 comentários:

  1. Gosto tanto de ler o que escreve. Principalmente da escolha das palavras e das frases tão poéticas.
    Grande beijinho

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  2. ai Mary, Mary... ! tão iludida estás (é a ilusão do PODER ;D grave noutros graus e estados, mas não neste teu)

    ninguém possui um gato, eles sim tomam posse daqueles que julgam ser seus donos, domesticando-nos a seu belo prazer

    eles sim são os derradeiros sedutores, tão subtil é a sua conquista que ingénuos acreditamos deveras sermos deles os conquistadores

    bjx
    (já fazias saudades, o que é sempre bom)

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