Acabo de transcrever um pequeno texto para Braille. Assustadoramente fácil, mesmo num dia frio em que as mãos gelam sobre as pequenas teclas da máquina - sim, foi escrito em máquina.
Interrogo-me a quem terá pertencido esta máquina... Há objectos do quotidiano que transitam de geração, outros entre amigos ou entre a docilidade de relações amorosas, ofertas, doações, heranças. E depois há objectos sem história conhecida que nos caem no colo e nos preenchem projectos.
Esta máquina Braille é alemã, provavelmente dos anos 20 do século 20 (gosto de escrever números iguais, saltei o romano propositadamente). Leipzig tinha editoras e tinha um grande asilo para cegos. Logo, fabricava instrumentos de trabalho e de ensino. Faz sentido. Mas como foi feito o seu percurso para Portugal? Quem a vendeu, encomendou, usou? Quem, finalmente, a despejou na feira em que a encontrei, sózinha e escura para quem passava, pedaço descarnado de ferro com sete teclas, e brilhante e luminosa para mim, que tanto precisava dela? Foi o chamado bom encontro e quem a vendia teve a simpatia de descontar no preço o trabalho que lhe daria carregar o objecto pesado e inútil novamente para casa ou para o armazém. Quem usa máquinas Braille? Como se pode criar uma relação de empatia, de camaradagem com um adereço de trabalho sem história conhecida, cheio de história muda, que agora se dedica a fazer histórias, quem sabe, para uma criança cega vir a ler um dia?
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