terça-feira, 19 de maio de 2015

Quando nos falta

Quando nos falta um sorriso ou um abraço, quando nos faltam princípios, quando nos falta o esperado do outro com que nos cruzamos, na fila, no café, no trabalho, quando nos falta a humanidade que é básica para o tratamento das feridas quotidianas e que dói mais quanto mais nos falta de perto. Quando nos falta o perto pensamos no que nos falta de verdade. E temos saudades.

domingo, 17 de maio de 2015

Viver perto do mar

Em desfado, em demanda de outras eras, de outras sortes, uma gaivota grita na minha janela recados de um além ou de um porvir porventura esquecidos ou fantasiosos. O mar, essa força, essa potencia, que nos leva o pensamento gelado para uma corrida defensiva de um quotidiano fácil. O mar, que recua se avançarmos ou que nos pode arrastar se lhe virarmos as costas em desrespeito, que o destino fada os incautos a desgraças certas e mesmo os cautelosos não estão livres dessa prisão do imprevisível. Grita a gaivota e foge ou regressa, conforme eu lhe diga adeus ou a acolha como uma dor maternal aceite pelo processo de estar que compete aos vivos. Ouço-a e estou grata pela maioridade das minhas memórias e pelo mar que me puxa e pelas gaivotas que me fazem levantar a cabeça. Mesmo, sobretudo, hoje.

terça-feira, 12 de maio de 2015




Acaba um ano e começa outro por voltas da meia-noite de hoje. Apetece-me o campo e os seus cheiros de primavera intensa. Apetecem-me colos que já não tenho. Tenho que rever um texto e não me apetece trabalhar, nem a mim nem a certas bases de dados que estão em baixo porque talvez eu as tenha contagiado, com o calor, o sol nos olhos da manhã, o entardecer dos meus 48 anos hoje com o real entardecer que começa agora, o meu cansaço de 48 anos a procurar sempre as mesmas belezas e os mesmos sorrisos e faltarem porque a vida não é como se quer. Que fiz eu em 48 anos? Que não terei feito? Que me faltará fazer? Estou demasiado consciente a escrever, escrevo melhor cansada, do esgotamento para as palavras. O calor é assim, fora de tempo, como tantas coisas que nos cercam. Não é fácil saltar o muro, não é fácil desistir de bocados à medida que a idade que vamos fazendo dói porque nos vamos ou nos vão consciencializando disso. Talvez doa realmente fazer anos porque temos que assumir aquele ar introspectivo enquanto olhamos as velas queimadas pelo esfumado do olhar (já) longo e pensamos que na estrada ficou tanto e talvez ainda (um talvez inseguro) tanto caminho a percorrer sem saber porquê ou como. Um cansaço. Sempre na memória "o tempo em que festejavam o dia dos meus anos eu era feliz e ninguém estava morto". Pois é.

A Concha

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhadosa de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.

A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.

                                      Vitorino Nemésio

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Altos em baixos...

Em dias de boas notícias seriam os altos a predominar, sorrisos e tal, suspiros de alívio e festejos. Porém os pensamentos em catadupa que consciencializam o que queremos e o que se escusava : a permanência das tristezas e das melancolias. Nostalgias não porque arrependimento mata e acabámos de sobreviver a mais uma dose. Mas que dose, esta vida de três pequenos dias. Afinal devia bastar olhar o sol até encandear o pensamento e na luz encontrar o calor que falta quando faltam (a)braços.

terça-feira, 5 de maio de 2015

A escrita e a fala


Em dias normais uso as duas formas de comunicação mais óbvias, mais vulgares. Escrevo e falo demais porque sou comunicativa ou quando estou nervosa (e.g. aguardando o resultado de um exame). Não gosto quando quero comunicar uma coisa e é percebida outra. Não gosto, também, de querer comunicar de uma das formas e só me ser permitida outra. 

Claro, nem sempre somos como queremos ser. Eu quero falar, quero dizer de mim, quero explicar, sempre senti essa necessidade desde criança. Quando um bloco de pedra nos impede de emitir qualquer ideia, quando qualquer som nele bate e regressa a doer, a comunicação morre porque nos dói sem sequer ter chegado ou sido apreendida pelo destinatário. 

Aguardo exames e doo, não dos exames, mas da falta de coerência de um mundo em que a voz escrita ou falada de que falam os escritores da semiótica falha como uma flor que nós vemos e os outros temem como um qualquer tumor estranho que ali anda, incomodamente, toco de vela que ainda não se apagou.

Na realidade, só a limpidez do discurso cura as dúvidas e tira os medos. Mas há dias que nos sobrecarregam tanto com nuvens que nem isso nos é dado.