quarta-feira, 26 de março de 2008

A cena do telemóvel

“As coisas da educação discutem-se, quase sempre, a partir das mesmas dicotomias, das mesmas oposições, dos mesmos argumentos. Anos e anos a fio. Banalidades. Palavras gastas. Irritantemente óbvias, mas sempre repetidas como se fossem novidade. Uns anunciam o paraíso, outros o caos – a educação das novas gerações é sempre pior do que a nossa. Será?! Muitas convicções e opiniões. Pouco estudo e quase nenhuma investigação. A certeza de conhecer e de possuir “a solução” é o caminho mais curto para a ignorância. E não se pode acabar com isto? (…) Precisa-se, neste “tempo detergente”, de um pacto de silêncio, de uma pausa que permita ver para além da poeira dos dias que correm. Pensar exige tranquilidade, persistência, seriedade, exigência, método, ciência.”


António Nóvoa, Evidentemente, Edições ASA.

É fácil comentar o que se não conhece, investir no culto dos detalhes sórdidos e não em reflexões humildes. Nos últimos dias tenho lido tantos disparates... E, no entanto, o sistema educativo do nosso país bem precisa de cuidados e não de apedrejamento público.

Gostaria de não ter lido tantos auto-elogios de demasiados professores, cheios de soluções, cheios de certezas. Gostaria de não ter lido tantos comentários de pais perfeitos, criticando a escola e os filhos dos outros. Gostaria de não ter lido tantos comentários públicos em demarcação do problema, que é um problema social grave e da responsabilidade de todos.

Talvez mais que julgar possamos actuar, porque julgo que só assim seremos cidadãos participantes (na medida em que nos assumimos como responsáveis a 100% pelos problemas que surgem e pela orientação das soluções).

O problema estará na aluna, no telemóvel, na professora ou na gabardina dela? Não sei. Sei que certamente há um problema em que ninguém fala, que consiste neste julgamento de massas, aparentemente imunes a problemas, aparentemente deuses, aparentemente na posse de todos os dados sobre este caso concreto e mesmo - quem sabe - na posse de anos de estudo e observação do nosso sistema de educação. Tantos especialistas temos e tão poucas medidas tomamos... Haja consciência e sentido cívico, a começar por baixarmos a vergonhosa taxa de abstenção das eleições desta República, começando a exercer, um pouco, os deveres mínimos de participação, em vez de produzir telenovelas marginais que distraem os mais incautos dos verdadeiros problemas.

Sem comentários:

Enviar um comentário