quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Queria

A minha mãe a embalar-me e a contar-me a história do Touro Azul. Também que as pessoas fossem mais simples e não um bando de crescidos revoltados ou acomodados. Queria que se acreditasse de novo em magia, porque a magia é precisa. Queria que com cada Magalhães (por sinal, um bom projecto e eu não sou suspeita a dizer isto, poderei escrever sobre isto em horas mais lúcidas) as crianças recebessem uma senha com direito a um colo e uma história da noite em casa e uma professora que lhes cortasse o bifinho na escola enquanto sorri. Queria, por uma vez, um Ministro ou Ministra da Educação que sorrisse com as crianças ou quando fala ou pensa ou trabalha para elas. Queria ter a capacidade simples de chorar quando esfolo um joelho ou me partem um brinquedo ou a bola ficando a dormir num telhado alto e ninguém para a ir buscar. Queria nunca mais ver adultos que se humilhassem e em vez de aprenderem a conversar e a debater as questões que interessam a todos, desconversassem e se agredissem como vi hoje. Não é com ironias que se dá saúde ao pulsar da humanidade.

Queria um abraço quando penso, como a Mafalda, que o mundo está doente e as pessoas mais doentes ainda por dormirem a bom sono em vez de pensar como o podem melhorar. Talvez, quem sabe, com uma história do Touro Azul e um beijinho. Como a minha mãe, que sempre resolveu os problemas do mundo que se lhe foram deparando em vez de agonizar em discussões estéreis sobre os problemas etéreos.

Mas amanhã, talvez, pode ser que o mundo esteja melhorzinho. Talvez que hoje apenas uma virose no Magalhães, coitado. Falta de controle parental, dizem. Embora me soe a falta de magia, apenas. Os sentimentos e os sonhos não se controlam.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Cidade do Outono

Quando as cores têm carinho e os cheiros caem das árvores das memórias e brotam uma música de fundo, inesquecível. É o Outono urgente que nos acorre, o princípio do renascimento da cor e dos sentidos, senão como as caras sorridentes molhadas na manhã, como as mãos a alcançar as folhas que voam sem cair enquanto o coração toca no céu, como as recordações todas tão vivas e os desejos tão acordados, ah, como, esta patética e incontrolável desarrumação da natureza que somos.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Secção NEE na FNAC

Já sabia da novidade mas ainda não tinha encontrado, por acaso, a naturalidade com que a FNAC vende os produtos da sua nova secção. E adorei. Necessidades especiais merecem muita qualidade, muita estética, muita ternura. E muita divulgação, porque não há assim tanta oferta destes produtos, os interessados merecem saber... Quem não conheça, que procure informar-se. É bom conhecer o mundo em que vivemos e os nossos vizinhos que são muitos e diversos.

O denominador comum é que todos gostamos e precisamos de aprender e de brincar. Portas da FNAC aberta a ainda mais meninos, toca a procurar o que nos interessa! Respeitar a diversidade humana na sua riqueza e direitos é uma qualidade de gestão e de humanidade. A FNAC está de parabéns, pelo que tem feito pela cultura e pela aprendizagem no nosso, como em tantos outros países.

Uma palavra de apreço para Nuno Lobo Antunes, que se associa à promoção desta iniciativa, e que dinamiza em Portugal a investigação sobre Síndrome de Asperger, patologia complexa e que afecta seriamente os portadores e os seus próximos, tentando, com a sabedoria e ternura com que o ouvi falar num congresso CERCI em Leiria há um par de ano, dar o seu melhor. E o nosso melhor é sempre muito bonito de se dar quando pode fazer toda a diferença na qualidade de vida de muitos meninos...

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Venda de pessoas?


Pessoas à venda?

E eu que não acho isto nada bem!

Património.

Pessoa(s).

Parece que rima. Porquê desrespeitar as nossas heranças?

Em cascata

É preciso embalar os dias sofridos, deixa-me passar a mão nos teus cabelos enquanto não ganho a coragem de cantar. Deixa-me sonhar com os passeios no mar da madrugada, com a árvore grande do Príncipe Real, com a senhora com o papagaio no ombro na feira. Ouve, ouve comigo - fecha os olhos, amor - o chiar alegre dos baloiços com pares de pézitos medrosos do chão a pedir colo. Sentes o mar das ondas grandes? O mar que gostas mais, o teu mar do Guincho? Passarinhando pela berma da praia como se a não pudéssemos pisar. Em bicos de pés pelas rochas como se mundo pudesse acordar e todos os sonhos ruírem logo, logo.

De mansinho, de mansinho, como canta o menino da voz bela que ama estrelas como nós. Há mais pessoas assim, sabias? Que não levam o mundo demasiado a sério, só um bocadinho, só o bocadinho importante de nós. E depois, há o amor, essa palavra furiosa, fera, que rasga o acontecido e o lança na rua aos gritos como o louco, sabes, aquele que mora na esquina da rua dos meus pais.

Queria ser mais louca ainda para te seguir em cascata, queria que me entendesses os gritos e entendes, queria que me abraçasses e abraças, mas agora, anjo, agora mesmo, como se o teu peito o meu porto e todas as canções.

Agora penso-te, esse ti que eu inventei e existe, existe, os grandes não sabem, mas existes, existem os tis em que as crianças acreditam. E têm caracóis.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Para Regensburgo, com humor

Ontem procurei dar a melhor atenção possível a Maria de Lurdes Rodrigues. Não fui capaz. O cargo é ingrato, é para queimar, mas a senhora não cativa. Tem um eterno ar de infelicidade como se acabasse em cada minuto de ler estatísticas para em seguida as citar, apagar e reiniciar o ciclo. Ontem ouvi também que José Nuno Pinto da Costa vai ser indemnizado pelo Estado Português. O Estado Português? Nós fazemos parte da coisa, certo? Eu cá não indemnizo ninguém que alterna entre mafiagens futebolescas e amores pagos a crédito. Não sei porque será este nome tão conhecido na praça pública, cuidei que era por mérito que as pessoas nos lembravam.

Terrível, o telejornal de ontem, aliás o zapping entre telejornais. Até porque as coisas boas que acontecem no nosso país da educação e que não são da responsabilidade directa da supra-citada senhora não são notícia. Ora neste momento temos umas quantas crianças a caminho do seu segundo dia de escola, alguns mesmo com vontade de trabalhar, contra ventos e tempestades. Temos igualmente alunos do ensino superior a progredir com os seus estudos enquanto trabalham, nada há de mais bonito e mais esforçado que estudar e trabalhar, tenho sério apreço por essa raça autóctone dos trabalhadores-estudantes, a qual integro humildemente desde que me conheço. Trabalhar para ganhar o sustento e para ganhar recursos para se sustentar o eterno processo de aprendizagem. É bonito. Mas não se fala disto.

Li nestes dias um livro, ofereci-o também, é um livrinho-emoção portanto, um objecto que para mim já tem uma historinha, que extravasa o seu conteúdo, por sinal bastante bom. Foi uma recomendação de alguém que sabe das artes de pensar, de uma amiga que muito prezo, que passei a duas pessoas especiais demais para mim, que acabei por procurar para entrar capa e ideias a dentro e que tem feito as delícias das minhas tardes numa leitura de conjunto com o meu filho. Platão e um Ornitorrinco entram num bar...

Penso nas questões de forma e de conteúdo, penso nos preconceitos pseudo-intelectuais sobre livros de grande divulgação e auto-ajuda, penso neste livro se tivesse uma outra capa, com esta sempre escapou, tem ar de livro de pensar, tem ar de livro sério, se tivesse uns bonecos e a capa branca podia ser como aqueles Manuais para Compreender os Homens ou Porque é que as Mulheres não sabem ler mapas ou talvez o Monte Cinco, um livro prodigioso de que só li uma página. Este li-o todinho e estou a reler com atenção. Seguiu um exemplar para Regensburgo, numa mala de estudante, será processado em laboratório e manterá a dignidade da língua portuguesa que, à falta de melhor serve de Pátria, em paisagens danubianas e três meses de muito trabalho.

Esforçados, somos um povo esforçado. Sabemos o que queremos, nunca se deve tomar a nuvem por Juno. A passividade pode ser uma espera. O que sempre é, convenhamos, inteligente.

sábado, 6 de setembro de 2008

O meu nó direito



"É muito difícil abarcar um universo onde as nossas rotinas andam misturadas com os nossos sonhos
e com a tal harmonia do mundo onde espero esteja prevista a nossa alegria." António Alçada Baptista



Serve para ligar duas estruturas de forma suave mas firme. Nó direito ou square knot é uma espécie de salva-vidas prático e acessível. Tem toda uma lógica, ou as lógicas todas que lhe quisermos encontrar, tem, também, que ser compreendido. Compreende uma ou duas cordas, fitas, tiras, estruturas, e une-as sem prender, o nó preferido de quem gosta de harmonia e pretere vínculos. Quase mais laço que nó, na verdade. Mas palavras são palavras, ou haverá grande diferença entre encantar e espantar, a não ser na alma de quem admira ou surpreende? As artes de ser e de estar no mundo são complexas, nós cegos que doem e cortam o ar.

O meu nó direito é verde e foi dado e ensinado num dia de esperança. Só se ensinam artes de sobrevivência (só se aprendem artes de sobrevivência) com a quantidade exacta de luz no verde, a proximidade de paragens afectivas, os fios que nos teceram e os que nos tecerão, na medida exacta de alquimista sábio.

Gosto dos dias em que me aprendo. Hoje aprendi o meu nó direito.