Era outrora um conde
que fez um país,
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quis.
Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo,
são bicos de tojo,
no tambor da esperança.
Ventos sem destino
que dizeis às ramas?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.
No país que outrora
um conde teceu
com laranjas de oiro,
com sangue de moiro,
tudo apodreceu.
Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças de morte.
As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos os olhos.
Ama, estarás ouvindo
a história que vou contando?
Ó ama pátria dormindo
desde quando?
Desde tempos e memórias,
desde lágrimas e histórias,
desde cóleras e glórias,
agora te estou chorando
e tu dormindo
até quando?
As bruxas andam lá fora
e eu chorando
versos do país de outrora.
Dançam bruxas a ganir
de mãos dadas com o vento.
Ama, acorda; sopra o lume;
e não me deixes dormir
na noite do pensamento.
Ó castelos moiros
armas e tesoiros,
quem vos escondeu?
Ó laranjas de oiro,
que vento de agoiro
vos apodreceu?
Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quando os mochos amam
e as pedras choram.
Caravelas, caravelas,
mortas sob as estrelas
como candeias sem luz;
e os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz.
As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda, de rojo,
dançam voando, rasgando
a noite morta do povo
com as unhas, bicos de tojo.
E o tempo murchando
a luz de idos loiros.
Ama, até quando
estaremos chorando
os castelos moiros?
Lá vão naus da Índia,
lá se vão tesoiros.
E as bruxas dançando
e os ventos secando
as laranjas de oiro.
Ama, até quando?
Na noite das bruxas
o lume no fim
e o vento ganindo.
Ama, estarás ouvindo?
O lume no fim
e os homens dispersos.
Ama, tens frio;
cinge-te a mim
e aquece-te ao lume
queimando os meus versos.
Carlos de Oliveira (1921-1981), Xácara das Bruxas Dançando.