quinta-feira, 25 de maio de 2006

Aquarela

Para ver e ouvir, com ternura.

Com os olhos a doer de papoilas


A Primavera vai longa e os caminhos mudam. O amarelo e roxo é convertido em ouro e vermelho. Venho ainda com os olhos cheios de papoilas, nada consegui escrever. Encharcadas em vermelho as nossas estradas, alentejo dentro, vontade de andar e de sentir as cores. São as flores mais belas porque perecíveis, vivem por ciclos, marcam o tempo, cor da paixão e do sangue, marcas de vida.
Doem-me nos olhos tantas, tanta papoilas que já vi e estas da semana passada que me fizeram parar e sentir que eram iguais às da minha infância, que talvez sejam mesmo as flores mais resistentes porque entraram no imaginário da esperança, estação intermédia entre a angústia e o sonho, e trazem luz aos corações, mesmo aos mais esquecidos de tudo o que viveram.
Papoilas rubras, como os poetas escrevem, papoilas sensuais abandonadas ao vento que as acaricia, sem preocupações de horas ou dias de vida, a reflectir apenas todo o seu vermelho no sol forte, entre casas muito brancas ou campos muito largos.
Seja como for, o Verão está próximo demais de nós. Brevemente os campos serão mais agrestes e secos, o calor mais denso, formando lençóis de luz na estrada. Brevemente os gritos e risos das crianças nas ondas das praias. É agora, sempre, a altura de caminhar, num mundo tão bonito.

domingo, 21 de maio de 2006

Ainda Hacker

Desculpem, mas gostei mesmo deste livro. Por sinal, não mencionei o título, que é um pouco aterrador, Fundamentos Filosóficos da Neurociência.

"Não há nenhuma explicação do mundo, só há maneiras diferentes de explicar fenómenos diferentes. Já se sugeriu alguma vez que as nossas ideias acerca da explicação da queda do Império Romano, da ascensão do protestantismo, da eclosão da Revolução Francesa, das causas da Primeira Guerra Mundial, são ficções?"

Tantos historiadores que precisavam de ler isto...

Pela minha parte, vou dormir sobre o assunto.

De que cor é a verdade?

De que cor é a Rosa Vermelha num quarto escuro?

Encontrei hoje um livro com que andava a sonhar, escrito pelo Sr. P.M.S. Hacker, neurocientista em Oxford, especialista em Wittgenstein, que disserta muito seriamente sobre os sentidos, a memória, a imaginação. Tudo a ver com o meu trabalho e com a tese que espero seriamente ter capacidade para fazer.

Lembrei-me, a propósito, de um outro livro "Um Estranho numa Terra Estranha", dos domínios da Ficção Científica, de Robert Heinlein, em que uma entidade tinha como missão descrever imparcialmente/testemunhar factos, chegando a descrever uma casa como "Branca, deste lado".

A verdade é um objectivo tão puro como inatingível. Tão relativo e utópico. Por vezes tão cru e inútil. No entanto, todos gostaríamos de ser sempre donos de alguma verdade e legitimar com ela os nossos actos, anseios ou percursos.

De que cor é a Rosa Vermelha num quarto escuro?

terça-feira, 16 de maio de 2006

E outros em que volta a surgir

Ontem contei uma história que me impressionou, de facto: a morte da mãe de um colega do meu filho. O funeral foi ontem. Hoje quando cheguei à escola, soube que, incentivado pelo apoio e solidariedade dos seus amiguinhos, já fora às aulas, participara em todas as actividades e apenas estivera um pouco recolhido à tarde, em conversa com o responsável da turma, grande amigo e confidente dos "seus meninos".
Fantástico amigo que o meu filho tem, fantástica turma que se conhece desde os três anos e constrói o carácter e a vida lado a lado, em todos os momentos. São estes os heróis da geração seguinte. Hoje são sem dúvida os meus heróis. Que sejam, para eles, sempre, mais os dias de sol que os nublados. Merecem.

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Sempre criança

É bom continuar criança. Agora tenho 40 anos. Ainda bem que não foi desta que cresci. Tenho a certeza porque já passaram 25 horas e 40 anos e devo estar praticamente na mesma. Continuo a sonhar muito, a conseguir voar e a gostar de brincar com os meus amigos. Em definitivo, devo estar mais ou menos na mesma...

Obrigado à Paula Rego pela ilustração e à Cavalo de Ferro por ter editado o texto original de Peter Pan.

40

Quando um amigo nos dá os parabéns de uma forma tão ternurenta como o poema anterior.

Quando esse amigo é um pai maravilhoso e, parte da equipa dos pais dos nossos dias, gostaria de ter mais dias, mais horas, para dar ao seu filho.

Quando esse amigo nos conhece o suficiente para saber que pensamos e sentimos o mesmo, que o mais importante das nossas vidas não é o que nos ocupa mais tempo, dá mais sucesso, faz mais eco, mas as pequenas doçuras do dia-a-dia.

Queremos continuar a ser Peter Pan com 40 anos para ser Mãe e Melhor Amiga e Irmã e falar de tudo e nada, rir e chorar, abraçar, beijar, adoçar todos os momentos que partilhamos com os nossos filhos.

Olho para tudo o que recebi, presente fofo (semanadas juntas, uma por uma), beijos tão doces, mimos tão directos ao coração, tudo planeado, dia perfeito, felicidade para que me deixei arrastar protestando infantilmente entre surpresas mais doces que previstas...

Só posso ficar feliz. Fiquem em paz, os que vão fazer 40. Há muito tempo ainda para aproveitar. Há todo este minuto em que o sinto a dormir no quarto ao lado e todos os que mais nos forem dados, na pressa de o ajudar a crescer, no sonho de ficar sempre pequena a seu lado e ter o tempo infinito do amor, relógio invertido, sempre com pena do que não fazemos, mas sempre, sempre, toda a vida, a sorrir por tudo o que construímos de mãos dadas.

Quando um amigo nos faz pensar em tudo isto no nosso aniversário e pensa assim, também, é um sorriso tão grande que nos rasga o pensamento e deixa o sol entrar. Obrigado.

Dias em que o sol não aquece...

Há dias em que o sol não aquece. Este foi um deles. O estranho é que esses dias nascem como quaisquer outros e são palavras que apagam o calor. É a diferença entre estar numa manhã rotineira, inconsciente, serena e minutos depois ter recebido um telefonema do meu filho a contar-me da morte da mãe de um seu colega e amigo.
Que valor não damos a poder estar vivos. Devíamos sorrir sempre quando olhamos para os nossos queridos, para os nossos amigos, para quem se cruza connosco só pelo dom, pela potencialidade de ser feliz que a vida dá.
O sol deixa de aquecer quando nos confrontamos com lágrimas de crianças que vão - muitos pela primeira vez - a um funeral porque um amigo sofre a perda da sua mãe. Acho mesmo que choveu, que o mundo deve ter chorado e só quem lá estava percebeu.
O nosso amiguinho não chorou. Manteve uma dignidade e uma serenidade impressionantes, tomando conta de um pai desolado que lhe ficou nos braços. Há dois fins-de-semana tinha estado cá em casa. Hoje o mundo dele mudou para sempre. Tão definitivo. Porque é que há dias que são tão terrivelmente irreversíveis?
Cancro de Mama. Já perdi uma grande amiga desta forma, também bastante nova. Continua a ser um flagelo para as mulheres, nem sempre é controlável, mesmo com as possíveis precauções e prevenções.
Perder pessoas ao longo da vida é inevitável. Mas temos o direito de nos zangar um bocadinho com o mundo quando essas pessoas são mães e os filhos ainda estão no princípio do caminho. Quando, num mundo de famílias desfeitas, esta era uma família doce e amiga, cheia de harmonia. Lágrimas hoje, onde tantos sorrisos aconteceram. Espero o dia em que os sorrisos voltem e o sol aqueça por vermos que as sementes de amor que foram deixadas por quem partiu deram fruto num homem digno e bom e justo. Pelo que conheço deste pequenino - desde os três anos, tanto tempo já... - acredito que sim. Hoje, pelo menos, preciso muito de acreditar em algo. Acho que vou abraçar outra vez o meu filho, a aprender a ferros o que custa ser amigo com A maiúsculo. E abençoar a possibilidade que tenho tido, até hoje, de o ver crescer.

domingo, 14 de maio de 2006

Busy

My hands were busy through the day.
I didn’t have much time to play.
The little games you asked to do,
I didn’t have much time for you.
I’d wash your clothes.
I’d sew and cook.
You’d ask and I’d read from your book.
I’d tuck you in all safe at night,
And hear your prayers;
turn out the light.
Then tiptoed softly by your door,
I wish I’d stayed a minute more.
For life was short,
the years rushed past,
A little boy grows up so fast.
No longer is he at my side,
His precious secrets to confide.
The picture books are put away.
There are no longer games to play.
No Teddy Bears or misplaced toys
No sleepovers with lots of boys.
No goodnight kiss,
no prayers to hear.
That all belongs to yesteryears.
My hands, once busy, now are still.
The days are long and hard to fill.
I wish I could go back and do
The little things you asked me to...

quarta-feira, 10 de maio de 2006

Domingos Alvão

Domingos do Espírito Santo Alvão (1872-1946) foi um fotógrafo português marcante. Trabalhou inicialmente na Casa Biel, esteve ligado a levantamentos fotográficos da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e da Comissão de Viticultura do Douro, tendo aberto, em 1903 a casa Fotografia Alvão.

Premiado em 1915 na exposição do Panamá, em 1916 com a Medalha de Prata da Exposição de Artes Gráficas de Leipzig, em 1923 com o Grande Prémio da Exposição Internacional do Rio de Janeiro, em 1925 com a Medalha de Ouro da Exposição Nacional de Fotografia do Grandela e Menção Honrosa na Exposição Nacional e Concurso de Fotografia do jornal O Século, em 1936.

Alvo de um estudo de qualidade, na tese de Filipe André Cordeiro Figueiredo, de 2002, intitulada: O Estúdio de Domingos Alvão e as suas edições fotográficas.

A explorar.

domingo, 7 de maio de 2006

Baldas

Não é uma crónica do MEC. É que me estou a sentir balda e preciso de conforto. Em desespero de causa, porque afónica, o tabaco sabe-me mal, os antibióticos que se vendem por aí são do tamanho de autocarros e odeio estar desactivada. É pois um ataque de autocomiseração, o que me não acontece com frequência. Desculpem lá, também sou gente de vez em quando.

Com febre na sexta, claro que não conseguia conduzir de Oeiras a Lisboa, quanto mais até Portalegre. A aula perspectivava-se útil e é sempre bom ir trocando impressões com os colegas. Fiquei por cá, meia estragada. Nem me serve de nada falar alguma coisa de LGP porque só o meu filho é que percebe. Os meus amigos, esses, dizem que uma mulher afónica é uma benção dos céus. Sobretudo no meu caso...

Sinto-me baldas. Mas cheguei aqui, onde se escreve dos dedos para quem queira e vi que tinha muitos e bons amigos a perguntar por mim - obrigado. O meu filho e o João encheram-me de mimo, até porque hoje é o tal de dia da Mãe, mais uma daquelas efemérides comemorativas que me coibo de comentar, mas que são fixes quando estamos neuras e precisamos de atenção.

Amanhã vou trabalhar, nem que tussam todas as vacas da Cow Parade. Não gosto de baldas. O que me lembra um episódio curioso há uns anos, num café frente à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, na Rua da Alfândega, em que o Sr. Carlos me serviu um comovido café, quase em lágrimas, murmurando: "há tantos anos a servir os doutores aqui dos ministérios e nunca vi ninguém vir trabalhar de braço partido...". Sossegue, Senhor Carlos, o seu desvelo pode ser alargado a muitos portugueses que não são baldas.

Tenho saudades dessa altura em que fiz 30. Até porque para a semana faço 40. Sem baldas...