terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

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"Será mesmo preciso exigir a última revelação,
se afinal, depois de a ter, se mergulha na escuridão?
Aquela descoberta tinha como que lançado
uma sombra sobre o que eu estava a fazer.
Talvez tivesse de parar, visto que a sorte
já me tinha oferecido o esquecimento.
Mas, agora que já tinha começado,
só podia continuar"
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A memória é uma carga de trabalhos para toda a vida. Envolve-nos, sufoca-nos, canibaliza-nos. Como um amor intenso, não podemos passar sem ela e no entanto, tanto que queríamos ser prisioneiros sem amarras. Não somos a folha em branco que bloqueia, somos a folha feita por alguém e por algo, temos o lápis na mão e o conteúdo mais ou menos explosivo a comunicar. Parte de nós tem pedaços incompletos, ninguém se lembra de nascer, mas o desejo de nascer todos os dias e todos os dias completar a teia antes que nos envolva demais. Nos labirintos de nós, há cheiros, cores, sabores, fotografias, imagens de paragens onde nunca parámos, antes nos fizémos ao caminho. Lutas perdidas, migalhas pelo chão que os pássaros devoram e nos faltam para voltar ao ponto de partida sabendo-nos no de não retorno.
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A memória é uma inimiga, recorda-nos a cada instante o que queremos que não esteja e rouba-nos as imagens, os rostos, as palavras, os risos. Foge com os sons e os sótãos de nós ficam despidos e frios, sem mãos onde caibam as almas doentes, os xaropes da tosse nas prateleiras de cima e ninguém para nos ralhar. Os livros de capas rasgadas, com anotações a lápis de alguém que já foi (que já fomos). A chuva a pingar as pegadas dos passeios e os gritos ao longe das crianças que queríamos não ter morrido e a impiedosa aliada do tempo que não nos deixa ser de novo mais nada que o agora.
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A memória esvazia, não preenche, se o que tem em si já não é, talvez nunca mais seja, não será certamente, não há memórias de amanhã. Essa é a folha misteriosa do livro que vamos perdendo pelo fio dos dias, rasto de vida, percurso incontornável, encruzilhada que mata o que fica do outro lado que nos não podemos partir, o corpo existe, o resto nada.
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A memória é apelativa, útil e falsa. Um mistério, coisa séria. Leva-nos a ser o que não somos, a construir barcos de papel para atravessar um rio turvo pelo nevoeiro, tão frágeis, tão quebrados, não nos dá a mão, atira-nos sós pela noite dentro.
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A memória é escura e densa.
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A chama está nas nossas mãos, agora, apenas.
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(De reflexões e conversas de fim de tarde e obviamente de Umberto Eco)

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