quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Paraísos Perdidos

Ainda está dentro do corpo, nem à pele floriu. Paraísos Perdidos, Christophorus Columbus. Vale a pena ouvir, vale a pena ver, sobretudo vale a pena sentir. Reúnam os suspeitos habituais, adoro percussão, acho que me apaixonei em definitivo por Pedro Estevan dos Hesperion XX. As interpretações dos Cancioneiros e os estudos Barrocos prestam-se a intensidades bem fortes. Hoje, Vénus estava sensual e a figura de bom e poderoso gigante desceu ao arrepio de mãos loucas a circular deliciosamente sobre o tambor. Só as mãos e o auditório em silêncio, na violência de sentir pela espera e pela pausa. Rufar acompanhando missivas de Colombo e dos Reis Católicos, textos declamados em castelhano, aramaico, latim, árabe e náhuati. A pequena Arianna Savall cresceu e os cabelos loiros e ensonados acompanham agora os pais sob a forma de voz (soprano) e harpa cruzada renascentista.
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Jordy Savall tem mais uns anos e mais uns trabalhos, está a ficar grisalho o cabelo escuro e escorrido do catalão que em 1974 começou a lutar por um projecto de história cultural, que afirma neste trabalho a importância do estudo sério das relações entre as raças, que fala de prepotentes e fracos, lutas eternas, sonhos de conquistar, no fundo e apenas, a paz, única conquista legítima.
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Regresso ao título deste post. Porque quem assiste a um espectáculo poético e musical complexo só pode ser muito puro, muito entendido, muito curioso, ou, eventualmente, muito show-off. Crianças seguravam o sono para abrir os olhos e os ouvidos, músicos (a arte paga-se cara em Portugal como profissão...) deliciavam-se e ajudavam a compreender os curiosos e humildes amantes de música. Conversas de intervalo. Um cinzeiro, a um canto. Chocolates e água. Vontade de voltar, os miúdos primeiro, em corrida, procurando também eles o Pedro de longos cabelos e ar destemido, suave como um passarinho. Procurando o diferente, que há mais música num ipod de adolescente que você imagina. Não gosto de preconceitos de gerações. Não gosto de preconceitos.
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No entanto os Reis Católicos dignamente representados na assistência. Com olhares que expulsavam judeus e dizimavam Alhambra, dignos para dentro, a raiar o ridículo, presenças cansadas de, certamente, trabalharem todo um dia a bem da nação para conseguir comprar os bilhetes para semelhante acontecimento. Talvez amanhã se discuta música nos corredores de S. Bento como nas escolas ou nos autocarros. A humanidade não mudou nada, Colombo encontrou, apenas, iguais.
Há quem traga as mãos de Pedro Estevan para casa, na pele e nos olhos. E a qualidade a rimar com a humildade de Savall. Por isso, e apesar das presenças opulentas dos pais da pátria, as crianças que somos, saímos em diáspora de esperança. Num admirável mundo novo. O verdadeiro.

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