quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Mais pipoca, menos pipoca...


Na minha infância as pipocas comiam-se no circo, no Natal. Eram brancas e quentinhas e um mistério como saltavam e explodiam dentro das caixas mágicas de vidro para as mãos de cinco artistas que dividiam o conteúdo do pacote de cartão entre leões e palhaços como se não comessem senão saladas de alface há semanas...

Cresceram e educaram-se, passaram a ser consumidas na Feira do Livro, entre stands de alfarrabistas amigos das cinco semanadas, grande alternativa às fotocópias de livros ou a incursões duvidosas às estantes paternas. Ainda os sacos de cartão, os preços a subir ou não fossemos nós a pagar dessa vez, mãos a saltar lá para dentro à proporção directa da velocidade a que saltavam na estranha maquineta onde continuavam a ser feitas, sempre por uma senhora de cabelos brancos que certamente venderia castanhas no tempo das folhas caídas.

Hoje invadiram os clubes de vídeo e os cinemas comerciais, evoluíram portanto para o audiovisual light e entraram nas casas onde a magia passou a ser a de frustrantemente querermos perceber porque as estorricámos no micro-ondas, depois de um doutoramento para descobrir o melhor sabor (manteiga, sal, açúcar, queimadas ou então não, de acordo com a atenção ao tempo e à potência do dito aparelho do demo).

Reconciliei-me recentemente com as pipocas. Nas duas últimas idas ao cinema (passo a partilhar: Cartas de Iwo Jima e Scoop) passei pela experiência da não-pipoca e da pipoca salgada. Percebi o mistério dos Deuses sem passar por livros de auto-ajuda: it's all in the mind.
Um filme como Iwo Jima já tem suficientes explosões e pode levar mais a um café e conversa amena em tom de armistício fraterno entre historiadores expatriados. Não vi Flags of Our Fathers, não sei avaliar o projecto na sua globalidade. Mas gostei do filme. Faz pensar, embora seja levemente preverso (digo eu). Faz pensar.

No caso de Scoop, engraçado como o pode ser um Woody Allen leve, sem implicar grandes meditações filosóficas nos preliminares, no durante e no final, as pipocas vêm a calhar. Os sorrisos, o non-sense, as cumplicidades com o realizador da Rosa Púrpura do Cairo, as eternas piadas à cultura judaica, ao sotaque britânico e à condução fora de faixa que os europeus das ilhas insistem em manter orgulhosamente. Tudo se completa nas mãos que continuam a partilhar os pacotes branquinhos ou cheios de publicidade.
Mais pipoca, menos pipoca, o essencial são mesmo as mãos presentes e a cumplicidade da companhia no pacote de tempo que passa e que queremos, com certeza, sempre cheio de surpresas e empatias e meiguice.
Reconciliada, portanto. Com as mãos.

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