domingo, 3 de maio de 2009

Regressos de Olivença à Rua dos Douradores

Custa o percurso, não me chegará a noite para o convencimento do madrugar nem a disciplina para cumprir tudo o aprazado para a manhã do dia que se segue a este. Da Olivença deles para a minha, amanhã talvez mais abençoada pelo anjo Gabriel das comunicações acessíveis, a coragem dispersa-se demais entre o que o foi e o que um dia será, como na lenda do Rei que jantava em camilhas com os seus amigos.

Quando nos rimos amargamente de uma chegada é sinal que os dias foram importantes. Claro que me faltam agora as estradas rápidas e a dor do trigo a passar por mim cheio de pressa, as cegonhas a negarem a pose, as andorinhas a gritar a Primavera que faltava em Lisboa e os horizontes mais largos que as fronteiras dos homens.

Levei o Tempo Perdido para reler e perdi o tempo de ler exactamente um capítulo, o que deve ser bom sinal. As memórias de Proust, construímo-las nós. Sensoriais. Fotográficas. Saboreadas como as madalenas no chá da mamã...

Porque é uma obra muitas vezes mencionada como grande e elitista, porque a considero bela e reconhecedora no homem na arte e reveladora das memórias sensoriais como as únicas afectivas, acrescento este post com uma informação adicional de quem caminhou nestes caminhos mais que eu. É bom conhecer um pouquinho melhor o que criticamos ou sobre que falamos, a fim de cumprirmos o mais sábio pedido do grande Ruben A. : "não façam a cultura chata". Ou seja, não desistam de se procurar, e apenas a vós mesmos, em tudo o que vos é dado usufruir, o que é a minha interpretação absolutamente sensorial, ilógica, emocional, curiosa, procurante... (08:50 de 4 de Maio)

5 comentários:

  1. A Cultura não é chata, ainda que chatos se infiltrem na Cultura e a desvirtuem. Chato é não ter arte para encontrar tempo para ler, para meditar e para desfrutar o que é belo, e intelectualmente nos estimula. Uns conseguem, outros queixam-se, como eu, mas reconhecidamente também sei que tentei pouco.
    Bom domingo
    Abraço do Zé

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  2. Subtil diferença... Multidões de infiltrados, claro. Mas há que distinguir e que tentar. Gostei da perspectiva. :o)

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  3. VINTE DE MAIO, UMA DATA MARCANTE NA HISTÓRIA DE PORTUGAL (RECORDANDO TIMOR... E
    NÃO SÓ!)
    Vinte de Maio de mil oitocentos e um. Um governador militar, perante um ataque
    iminente, decide capitular. Afinal, o invasor mais não é que um peão
    manobrado por uma potência exterior. Lutar para quê ?
    Vinte de Maio de mil oitocentos e um. Espera-se que, tal como sucedeu em
    situações anteriores, tudo volte a ser como antes quando uma verdadeira paz
    for assinada. O invasor sairá então.
    Vinte de Maio de mil oitocentos e um. Olivença capitula, sem disparar um tiro.
    A população inquieta-se, mas confia. Com o tempo, tudo regressará ao normal.
    Muitos anos antes, em mil seiscentos e cinquenta e sete, ocorrera algo
    idêntico. Quase todos tinham fugido, para regressar onze anos depois. Tudo se
    recompusera.
    Vinte de Maio de mil oitocentos e um.
    Não houve sangue. Uns poucos (os pessimistas!) atravessaram o Guadiana. Em
    Elvas, o invasor encontraria resistência, bem como em Campo Maior. Na
    primeira, conseguiu uns ramos de laranjeira. Na segunda, acabou por vencer, mas
    a que preço!!!
    E veio uma paz falsa e logo violada. E outras guerras. E uma paz verdadeira, em
    que se apagou o vinte de Maio de mil oitocentos e um. Para todos. Mas não para
    o invasor. .
    Vinte de Maio de dois mil e dois. Nasce uma nova nação. Gerada no sofrimento.
    Combatendo a indiferença. Com sangue, muito sangue.
    Vinte de Maio de dois mil e dois. Esta data ficará na História. Vinte sete
    anos depois do seu acto ilegítimo de ocupação, a Indonésia vê surgir nas
    suas fronteiras um novo país ao qual quis negar a liberdade, apoiada por um
    grande deste mundo, em nome da estabilidade do seu próprio regime. Como se se
    pudessem invadir vizinhos só porque o sistema político não agrada. Não há
    lei que tal contemple. As instâncias internacionais nunca aceitarão a
    legalidade da acção.
    Em vinte de Maio de dois mil e nove, recordemos esta lição. Portugal não pode
    esquecer o heroísmo de todo um povo, e pode orgulhar-se de o ter ajudado de
    forma decisiva. Portugal combateu uma situação de violação do Direito
    Internacional. Sem desfalecimento. Contra (quase)tudo e (quase) todos.
    Independentemente do peso dos adversários. Apenas porque acreditou que era
    justo fazê-lo. E independentemente das dificuldades que se lhe deparam, hoje,
    em dois mil e nove.
    Vinte de Maio de dois mil e nove em Olivença. Madrid mantem a posse da cidade.
    Ali, ao contrário de Timor, não houve duzentos mil mortos.Nem mil. Nem cem.
    Nesse aspecto, não pode haver comparações. Mas matou-se uma cultura. Ou, pelo
    menos, ela ficou vazia, moribunda. Em duzentos e oito anos, muito se consegue.
    Recorrendo à repressão, quando necessário. Às claras, ou discretamente.
    Olivença viu ser sangrada a sua cultura e a sua história. Viu gente sua
    dispersa, numa sangria dos seus filhos. Não morreu na carne. Morreu no
    espírito. O passado tornou-se um conjunto de sombras vagas, contraditórias,
    falsidades contra as quais quase não consegue reagir. Perdeu as referências.
    Vinte de Maio. Uma data no calendário. Consoante o ano, o início de uma
    ocupação persistente, contínua, preocupada em apagar um passado de seiscentos
    anos, numa população que resistiu com fracos recursos e apoios. Ou o início
    da vida independente de um povo. Que sofreu, mas venceu. Que a diplomacia nunca
    abandonou. Corajosamente. Crente em princípios.
    Mil oitocentos e um. Dois mil e dois.Dois mil e nove, recordando.
    Dois vinte de Maio...

    Estremoz, 15 de Maio de 2009 Carlos Eduardo da Cruz Luna

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