sábado, 3 de fevereiro de 2007

Poesia, arco-íris, papoilas, lágrimas que não caem


E outras coisas que a alma colecciona em três dias.
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Custa-me conduzir de noite, custa-me já a estrada de dois anos, os máximos nos olhos, o coração sem fôlego. No entanto parto sempre como se fosse a primeira vez que beijo a estrada das papoilas e das cegonhas que se desencontram no tempo, nunca em mim. Quem voa mais? Histórias do arco-íris encontro-as sempre pelo caminho, histórias da minha construção, todos procuramos sem dúvida ultrapassar-nos a nós mesmos num IP qualquer e ir descobrir para além das aulas e do dever, pessoas, muitas pessoas, afectos, muitos afectos, ser encontrados mais que encontrar, pintar arco-íris que cumprem desejos ou nos seguram no arco da lua, na penumbra dos sonhos.
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Destino: Portalegre. Caminho: sonhos e desvios por mãos que agarram o volante da vontade e descobrem outros percursos, Castelo de Vide por labirintos e um convento franciscano do século XII, documentação em braille, tanta gente no mundo, fotografias, pessoas que não conheço, amigos, instrumentos musicais, dispersos e encontrados, um funeral ao lado e as pessoas sem idade que falam e nos orientam antes que chegue a vez de não ensinar mais caminhos, laranjas no chão dos claustros, túmulos - "vê?" - vejo, e eles, que não viam, sinetas por todo o edifício, arquitectura panóptica engendrada sete séculos depois para gerir corpos estranhos (estranhos nós, os invasores que olham o que ninguém via mais três séculos para a frente, e depois, o que é o tempo?), santos que caíram do altar amparados por mãos delicadas de trabalho, campas rasas de quem já não é e não tem nome ("nós que aqui estamos" esperarão?). A tese é sobre outro asilo e apaixonamo-nos pelo que devemos ou pelo que encontramos? E as laranjas perdidas na luz do sol.
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O edifício novo, as campas rasas do velho, velhas e doces são as memórias da história que nos fez e que nos encontra, em dias de muito azul, invisível ou cru. O antes e o depois, e nós onde andamos, saco-cama na casa dos amigos arco-íris e beijar um Tiago que não quer morrer nunca ("nunca, Maria, escreveste tudo, nunca!"). Escrevi.
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Eu também não.
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Sigo as folhas de uma revista que não é minha e fotografo lado-a-lado com um sorriso que nunca vi e nem sei se volto a ver e não interessa porque é um sorriso e tem vida própria. Ouço a Tabacaria declamada por um irmão do outro lado do mar e as lágrimas caem sobre os chocolates que são evidentemente muito mais que metafísica, não chegam a derramar para fora do peito, ficam na esponja das falsas resistências que criamos. Trago comigo folhas e folhas de poesia, versão papel e versão alma, ouvi-as declamar ("apaixona-te pelo que lês!" "sé se sente o que é verdade, como queres que não finja?"). Como querem que não se finja? Ser verdade.
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Perdi a chave do carro, três pessoas em volta, malas formais de professores ou sacos com livros e sabedoria e essas coisas e a minha mochila dos caminhos das papoilas que doem sempre e voam mais alto que as cegonhas sem estarem lá. Estavam no meio da poesia, perdidas e a máquina fotográfica como eu, sem pilhas para conduzir no caminho de regresso, gosto de ir, não de voltar, e as papoilas que perco enquanto não regresso ao caminho de ida?
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Arco-íris, onde anda o meu desejo?

1 comentário:

  1. momento bons, momentos menos bons...é esse o caminho para a difícil genialidade.
    obrigada pelo momento.

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