terça-feira, 3 de julho de 2007

Depressa

Na estrada de terra amarela sentiam-se ainda os pés compactos dos soldados que não teriam talvez passado, o pó levantava pelo caminho árido e sempre na direcção de uma fuga sem destino, caminhante em pânico pelo que atrás ficava e pelo que se não via, que o pó, sempre o pó, fazia chorar e levantava mais se se abrandava, acelerar porquê, se as rodas, basta o que girava até ficar sem sentidos numa direcção qualquer que nunca é a escolhida mas sempre fora do lugar onde. À frente laranjas como num lago gelado, frias e vivas, formosas, brancas por dentro, saborear tudo até ao fim, em movimento, na fuga ainda, não fosse alguém acordar e porque não sabiam as pessoas que as laranjas eram ali tão dentro de nós e tão madrugadoras, caindo em mãos ávidas de sabor amargo como tudo o que acabou de nascer e quer que acabe o medo de morrer que vem pegado. Para trás o nada, campos verdes depois, sem rumo, caminhos abertos, sem pó, o sol que levantava e pintava o céu e cegava o rumo que de qualquer forma não era para ver, ainda não é, ainda bem o sol e o azul. As águas paradas. Os sons que o vento faz quando dorme nos ramos e na superfície das doces águas, embaladas, inconscientes, para se perderem os pensamentos nelas. As pessoas crescidas dormem até tarde ou fazem bebés. De triciclo não se vai muito longe, talvez só até à inconsciência e ao torpor de uma liberdade que quer ser agarrada de uma só vez pelas mãos de um édipo qualquer que abrace forte e não faça muitas perguntas. No sótão, sempre, dorme a garagem azul, de madeira clareada pelos risos, com o pó a jazer lá dentro, as esperanças envelhecem ou somos nós que crescemos. Talvez haja uma garagem azul nalgum ponto do meu percurso. Cansa andar de triciclo e mesmo quem não tem coragem para parar precisa de um porto de abrigo, talvez para sempre, talvez no fim da estrada de terra batida, olhos fechados no pó. O mundo não vale assim tanto a pena, melhor continuar a pedalar, melhor esperar pelo portão que se abre e redimensiona a vontade de ser preso pelos soldados que assustam e calcam sempre a estrada onde ao longe os cães coxos uivam por carinho.

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