sábado, 28 de julho de 2007

Voltarei?

"Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar"

Sophia de Mello Breyner

Mas como, Sophia, se mesmo em vida não cheguei a partir e me falta tudo em volta, a mãe a contar-nos com os olhos - um, dois, três, quatro, cinco - e de manhã os queques quentinhos da Sra. Gama - um, dois, três, quatro, cinco - e na praia as Bolas de Berlim em caixa de folha de lata e sempre - um - a areia a cair - sem querer - dois, três, quatro, cinco - em guerra. Ainda bem o senhor António com olhos muito azuis que se esquece de ralhar comigo e tira picos de ouriços de pés de outros meninos que chegam num ápice vindos do futuro. Não sei como desapareceram os bolos com creme a escorrer nas toalhas, levaram com eles os pregos e os baldes, e sobraram - um, dois, três, quatro, cinco - pessoas crescidas a tomar café e a ler o DN na esplanada. Salvaram-se os pés cheios de areia e as algas despentadas pela maré, lua cheia, maré vaza, regresso agora dos instantes, não quero morrer, procurei-os nas pocinhas salgadas de búzios coloridos, tenho sal no corpo e nos olhos, as gaivotas aterraram e são horas de viver mais. Jantaremos penteadinhos de cabelo a escorrer, não sei porquê tantas crianças parecidas connosco, voltaremos em vida a nós mesmos? Até amanhã, senhor António. Voltarei.

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