"Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar"
Sophia de Mello Breyner
Mas como, Sophia, se mesmo em vida não cheguei a partir e me falta tudo em volta, a mãe a contar-nos com os olhos - um, dois, três, quatro, cinco - e de manhã os queques quentinhos da Sra. Gama - um, dois, três, quatro, cinco - e na praia as Bolas de Berlim em caixa de folha de lata e sempre - um - a areia a cair - sem querer - dois, três, quatro, cinco - em guerra. Ainda bem o senhor António com olhos muito azuis que se esquece de ralhar comigo e tira picos de ouriços de pés de outros meninos que chegam num ápice vindos do futuro. Não sei como desapareceram os bolos com creme a escorrer nas toalhas, levaram com eles os pregos e os baldes, e sobraram - um, dois, três, quatro, cinco - pessoas crescidas a tomar café e a ler o DN na esplanada. Salvaram-se os pés cheios de areia e as algas despentadas pela maré, lua cheia, maré vaza, regresso agora dos instantes, não quero morrer, procurei-os nas pocinhas salgadas de búzios coloridos, tenho sal no corpo e nos olhos, as gaivotas aterraram e são horas de viver mais. Jantaremos penteadinhos de cabelo a escorrer, não sei porquê tantas crianças parecidas connosco, voltaremos em vida a nós mesmos? Até amanhã, senhor António. Voltarei.
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