domingo, 26 de agosto de 2007

Livres?

Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por dente: não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escarlate, o vómito nos pulsos por cada noite roubada; nem um minuto para a glória da pele. Despertar de lado: olho por olho: conservar a família em respeito, a esperança à distância de todas as fomes, o corno de cada dia nos intestinos. Aos dezoito anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva e do amor, os olhos postos à prova do nojo. Entrar de costas no festival das letras, abrir passagem a golpes de fígado para a saída do escarro. Se não temos saúde bastante sejamos pelo menos doentes exemplares. Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane aos artelhos dos que rangem os dentes; no meu reino apenas palavras provisórias, ódio breve e escarlate. Nem um gesto de paciência: o sonho ao nível de todos os perigos. Pelo meu relógio são horas de matar, de chamar o amor para a mesa dos sanguinários. Dente por dente: a boca no coração do sangue: escolher a tempo a nossa morte e amá-la.
António José Forte, Uma Faca nos Dentes



A World Wide Web é, neste momento, o maior repositório de conhecimento humano, quer se goste quer não. Como numa gigantesca e anárquica biblioteca é necessário filtrar informação. A liberdade passa por escolhas, quer do lado do produtor quer do lado do consumidor. Mas aqui entra uma nova personagem, que pensei que já estivesse ultrapassada. Há vários tipos de censura. A auto-censura ou comedimento que podemos ter na escrita, em conteúdos e formas. A censura ética, ou seja, preocupações com meios de difusão de informação - como sejam a usabilidade e acessibilidade - ou tipo de conteúdos que possam ser mais ou menos relevantes, mais ou menos correctos. Também, a censura social: um blog feito para difundir as vantagens do consumo de drogas, os benefícios da guerra ou do consumismo, será lógico? E a pergunta seguinte: será legal? Como se coaduna a liberdade de expressão e de pensamento com os conceitos consagrados na constituição do nosso país? Não são questões pacíficas.

Escrever é fixar ideologia. Publicar em formato papel ou electrónico é divulgar. Mas publicar em formato virtual é entrar numa nebulosa de legislação omissa. O que se presta a abusos de poder por parte dos autores mas também das entidades que só podem actuar em propotência, considerando a enorme ignorância que o nosso estado ainda manifesta perante este novo poder. Por isso há processos a correr neste momento sobre blogs e publicações on-line. Por isso há questões eternas por parte de quem não tem alma para criticar considerando que não cumpre a pouca legislação que se atreve a emitir, desconhecendo a que devia produzir rapidamente (por exemplo, a salvaguarda de arquivos on-line institucionais, que deveriam entrar em depósito legal, como já faz o estado francês, para consulta das memórias nacionais).

Não gosto de censura. Obviamente que são necessárias regras para as comunidades humanas se organizarem, desde sempre. Obviamente que a liberdade não passa por agedir quem passe na rua só porque acordámos mal-dispostos. Mas passa talvez por poder ditar uma opinião sobre um assunto. E mesmo em circunstâncias em que se não concorde com a opinião emanada, julgo que ela deve poder ser publicada, terá apenas o público que com ela se encontrar. O restante, fará a sua avaliação e pelo menos saberá que há quem pense de determinada forma. Chama-se bom senso...

Num pais em que durante tanto tempo se esconderam livros proibidos, em que durante tanto tempo circularam ocultas opiniões diversas da oficial, em que o próprio contacto humano, o direito de reunião, a troca de impressões, era vedado, como permitiremos que voltem a ser activadas grilhetas anti-constitucionais ao pensamento e às novas formas da sua difusão?

Em nada que contrarie os direitos humanos e a constituição e legislação do país pelo qual SOMOS responsáveis, em nada que seja pouco digno para o Homem e o Planeta que habita, se deve exercer censura. Censura é um crime e dos grandes contra a Humanidade. Se a blogosfera serve para algo, que sirva para passar a palavra Liberdade.

Bem-vindos ao meio que assusta, de novo, o poder que não consegue ser exercido. Ou haverá outro motivo para proibir?

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