sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O Novembro que dormi

Hoje ao passarinhar por uma Lisboa em fuga, entre trânsito histérico em fuga de luzes urbanas para outros mitos de paz, pensei que estes tristes intimismos pré-natalícios me foram vedados no ano anterior. Há muitos anos não sentia a falta do cansaço e das corridas sem sentido desta época, das cores e das árvores com lâmpadas, das ruas com gente a mais e paz a menos, dos cânticos sobre um Rudolfo de nariz vermelho a pingar desgostos de futebol.

Hoje comi uma salada feliz junto a um rio que eu amo e que é evidentemente da minha cidade. Estive ao pé de mim. Voltei a dançar sobre lençóis de água e memórias reflectidas e difusas. Acho que voltei a casa, porque as enfermeiras já não riem no quarto dos fundos e a luz não é de presença. Não me fará falta o chá de camomila e o pacotinho de bolachas Maria amolecidas pela humidade, mesmo à hora dos remédios. Não ficarei a ler a luz do telemóvel debaixo dos lençóis. De alguma forma sinto que a chuva de hoje com a luzes vermelhas e azuis de Lisboa de fim-de-semana-grande e o frio que chama Dezembro e a lareira de casa dos meus pais me chamaram de volta. Em definitivo, voltei para o pé de mim.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Todas as semanas são felizes

Na verdade, as segundas-feiras são iguaizinhas às de quando andava na escola ou às de quando corria de bibe sem horários e lanchava fatias de pão com manteiga e um copo de leite. Agora lancho café e um cigarro triste, se tiver sorte tenho companhia para as lamúrias da tarde, há sempre quem nos moa o juízo, há sempre pessoas erradas, o que nos dá, obviamente, satisfação.

Todas as semanas são felizes, oh, se são! Todas as semanas se começam limpas e livres de agruras, cheias de boas intenções, são os tempos modernos, nem chegamos ao início do ano para as boas resoluções, tem que ser na manhã de segunda, vou fumar menos, vou ser pontual, vou tirar umas horas para ir ao cinema, vou conseguir ir ver aquela exposição antes que fique uma intenção cheia de curiosidade, enterrada junto com as outras, vou almoçar aos meus pais.

Todas as semanas começam brancas, o primeiro jantar da semana, uma sopa de legumes quentinha, o meu filho feliz porque a Barca certa lhe levou o teste, abro uns mails com piadolas sobre o Magalhães, ouço um aluno a dizer que se manifesta porque os jovens deviam poder faltar (e podem, rapazinho, não têm é que faltar com o patrocínio dos encarregados de educação e do Ministério, boa?).

Esta semana será uma semana feliz, certamente. Estudarei os meus temas, pensarei nas minhas questões, assistirei às minhas aulas, lerei os meus livros. Talvez escreva mais um conto. Talvez me conte uma história. Era uma vez uma semana feliz, oh, tão feliz que ela era.

domingo, 16 de novembro de 2008

Podemos?


Precisamos de humor? Certamente. Continuo a acreditar no riso como arma e no sorriso como paliativo. Não sei se adianta lamuriarmo-nos marcharmos, atirarmos ovos. Sei que adianta pensar nos problemas, estar atento, não nos alhearmos. Certamente. Sei que há causas justas. Não falo do que não conheço, do que não vivo, limito-me a respeitar as partes envolvidas e a dignificar as suas lutas. O mundo em que cresci acabou há muito, agora sou eu acabada num mundo novo e estranho. Estranho-o diariamente porque os inesperados são muito. Façamos das nossas curiosidades e das nossas questões lutas pertinentes e justas. Sempre. De qualquer forma, com humor. E posto isto boa semana a todos que vou ver o Zé Carlos.

sábado, 15 de novembro de 2008

Discursos

"À barca, à barca, houlá!
Que temos gentil maré!"

Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno



É sábado e não tenho aulas. Leio algumas notícias, umas em papel, outras, virtuosas. Visito os meus pais (gosto do verbo visitar). Conversas soltas aqui e ali. Um almoço tardio. Uma troca de e-mails. Palavras, palavras. As horas compostas de discursos e eu que deixei estragar o relógio com os números caídos. Tanto sentido que me fazia o relógio com os números caídos. Agora, os livros. O João estuda o Auto da Barca do Inferno. Eu penso nos arquivos a visitar e no preenchimento dos quadrados do pensamento esquinado que é o esqueleto, ainda mais embrião que esqueleto, da minha tese. Palavras amontoadas ainda por seleccionar. Visto-me de dúvidas e começo a caminhar.

domingo, 9 de novembro de 2008

Ainda não

ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer

António José Forte


Crianças que vão para a escola com sapatos três números acima do pézito, que vivem em bairros onde as rixas se resolvem à pancada, que têm mães analfabetas e dependentes de comida dada por vizinhos. Meninos que não sabem dizer o nome e contam histórias com brilho nos olhos e mãos que dançam. Professores que os acolhem, que os ensinam a tocar na carinha e sentir o "m" e o "p" e a repetir, tantas vezes que é preciso repetir. Pais que remendam as calças de uns filhos para os outros e fazem flores e casinhas com restos de tecido. Fracos que se oferecem para defender os fortes.

Há espaço para respirar?

Amanhã, os sapatinhos. Quando lhe tirarmos o molde do pé. Pé ("p", abre a boca, separa os lábios depressa, como num sopro rápido, "p", sente, isso, assim, "p" de pé, "p" de pessoa, "p" de pressa de sorrir quando a alma húmida da tua história contada em gestos rubros de um capuchinho e um lobo tão mau, tão mau, como as pessoas que fazem mal aos meninos, mesmo quando, apenas, se esquecem de lhes fazer bem).

"P" de percebam o decreto-lei em anexo. Percebam. Ainda há espaço para aprender.

Pedido


Afinal o Papai Noel passou a chegar bem antes do São Martinho, sendo que este último só serve para comer castanhas aseadas em alumíno aséptico e água-pé de que ninguém já tem memória. Afinal a procura de um livro deriva em fuga por sobrevivência de um espaço comercial feito sala de visitas de famílias em gáudio projectista dos tempos que se aproximam. Afinal já é altura de ser egoísta de novo e de nos maçarmos a procurar presentes - nunca prendas - para os próximos alvos obrigatórios, sem nos termos desfeito dos primeiros. O Natal adora famílias mono-parentais porque há um limbo em que todos devem receber presentes, mesmo os ex. Classificados na onda moderninha de voluntariado, participaremos num ou dois eventos solidários. O São Martinho há-de trazer um sol discreto. Mas a depressão Natalicia instala-se e corre com os sorrisos. Em desconto. Em promoção. Comerciáveis. Renegociáveis. Divisíveis.

Faz-me falta o Natal da minha infância, em que importava sobretudo o colo onde se bebia o chocolate quente e o tempo de chegar era um tempo de paz, sem antecipações absurdas nem multidões histéricas.

Se alguém o encontrar, importa-se de mo devolver?

sábado, 8 de novembro de 2008

Isto da Cultura

Parece-me algo de cansativo e penoso, o clímax da vida intelectual dos nossos dias, a importância inscrita nuns 15 minutos familiares e muito mais anónimos que reconhecemos. Pobres de nós que não sabemos fazer perguntas nem ir ao outro lado, ao lado do quê, ao lado do desconhecido. E voltar a este, já diferente.

Isto da não-inscrição

Faz-me pensar num grafitti gigante com uma pomba da paz que admiramos todos os dias a caminho da vida, aqui em Lilliput. E, por muito que doa, nínguem passa de cobarde, ninguém faz nada para libertar a ave.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Isto do conhecimento

Pode ser um parto doloroso mas que é verdade que é um caminho de discurso, ah, pois é... E não nos ensinam isto, ensinam-nos a ser copistas, ensinam-nos a ser reprodutores de verdades, ando a aprender a escrever aos 42 anos, o que é fantástico, escrever, construir, responder às minhas questões. Para nada, para tudo, para chegar a casa agora depois de cinco horas de aula sem intervalo a somar a um dia trabalhoso e a deixar uma amiga aniversariante pendurada que a coragem não chega a tanto e as costas traíram-me esta semana. Mais canadiana, menos canadiana, vou adormecer nas palavras de Derrida que sempre inquietam o suficiente para se descansar. Amanhã mais oito horas de aulas. Isto do conhecimento é bem mais que um sistema. É uma profissão.