sábado, 21 de janeiro de 2006

O silêncio de se ser crescido

De repente o nada. Calaram-se os sons da infância. Deixei de ouvir tocar Beethoven pela manhã. De entrar no quente da cama dos meus pais. Nunca mais tive um jardim só meu, com uma cerca de madeira pintada de verde (“era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim em volta…”).
Na cerca, de um lado, uma ramagem verde, uniforme, o lado permitido. Do outro, uma trepadeira com dentes de leão muito, muito amarelos que largavam um pó de fazer voar e espirrar e ralhar porque tudo se tornava daquela cor à nossa volta e na roupa. Os grandes sempre foram um empecilho para descobrir o mundo…
Fora da porta havia também, mais ao fundo, um outro muro, um outro mundo. As rosas eram perecíveis como crianças precoces e tristes. Não as alcançava, mas havia sempre alguém que me cortava algumas. E deixava-as morrer lentamente nos meus braços. Eram tão tristes quanto belas e até hoje são as únicas rosas de que gosto.
Depois, o campo. Todos os dias. Com buracos na estrada de terra para me fazer cair do triciclo ou guiar ao colo do pai, com ímpetos de James Dean num Volkswagen.
Toda a ternura que se cria e que serve de reserva para o resto da vida. A capacidade de criar as defesas, de acreditar, de continuar a acreditar, teimosamente, encontra-se nestes primeiros anos, nos colos muito quentes, nos abraços muito fortes.
No sótão, tudo rangia, tudo era ao mesmo tempo sólido e perecível. Cada passo era uma vida. Os morcegos que voavam. Os brinquedos de avós e tias que já não riam porque não as ouvíamos mais, mas que brincavam lá todos os dias, tenho a certeza até hoje. A bicicleta da minha mãe. O meu carrinho de bebé. E à entrada uma caixa com azulejos em que ninguém podia mexer, sempre os grandes! A garagem, onde estava o cesto onde o meu tio tinha vindo de Paris…
O serrado da casa onde se enterravam os cães e se subia ao telhado. Depois os quadros e as histórias e a noite. Tanta coisa que foge dos nossos dedos mesmo quando os apertamos junto ao coração para espremer com força tudo o que de bonito nos foi dado perceber.
O candeeiro da sala, que fazia “plim” com os nossos dedos. Um “plim” muito de fadas, muito de vai-te deitar e sonha com coisas bonitas, tens tantas coisas bonitas. Plim. Acabou tudo.

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