segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Com certeza

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Confusa, cansada, baralhada - seremos todos assim? - aprendizes de feiticeiros, cheios de certezas, o que nos ensinam são factos e regras absurdas, perdemos anos e juízo à medida que crescemos, armamos em idealistas e intervencionistas e quando olhamos o espelho de dentro dos olhos temos o rio mas também o medo de mergulhar. Sábio Watterson, pela voz de Calvin, qual linha recta, qual tempo, qual espaço. Certeza de quê? Que de nada temos nunca a certeza. Apenas de uma linha ténue de presente, o que nos deixa com a certeza que esta noite estarão monstros debaixo da cama ou fantasmas prontos a saírem do armário. Tempos agitados, sem ordem nem direcção, mesmo para quem acredita na História enquanto ciência e percebe que afinal deve ser uma arte, a de acreditar no que foi e no que poderá vir a ser. Tempo de voltar a ser inocentes e crer que em nada devemos crer a não ser na novidade. Tempo de voltar a ter um brilhozinho nos olhos. Com certeza.

domingo, 28 de janeiro de 2007

Jordy Savall

O senhor da música antiga, nascido na Catalunha, vem mais uma vez a Lisboa.
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Dia 7 de Fevereiro no CCB:
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"CHRISTOPHORUS COLUMBUS - PARAÍSOS PERDIDOS
La Capella Reial de Catalunya Hespèrion XXI
JORDI SAVALL E MONTSERRAT FIGUEIRAS
7 de Fevereiro de 2007 21h00 Grande Auditório
Jordi Savall - Infatigável explorador de repertórios, mestre de toda uma geração de violistas – ensina, desde 1973, na Schola Cantorum de Basileia – intérprete de técnica irrepreensível, director de orquestra e de coro, Jordi Savall abre as portas, e dá a ouvir, há várias dezenas de anos, obras que nunca teriam esperado sobreviver ao seu século. A ele se deve o reaparecimento da viola da gamba, desaparecida no séc. XVIII, na sequência da sua presença no filme Tous les matins du monde (1991). Se o filme de Alain Corneau e o sucesso sem precedentes que a banda original de que ele é o principal responsável são os aspectos mais mediáticos da sua acção, a verdade é que vêm na continuidade de uma vida inteira dedicada à descoberta de novos horizontes para as músicas antigas e barrocas, nomeadamente de origem ibérica. Criando um estilo que lhe é próprio, resolutamente emancipado de toda a tradição que não tenha as suas raízes directas na origem, este catalão, nascido em 1941 em Igualda, fornece matéria para investigações que agora se estendem por várias gerações."
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A não perder o espectáculo, a discografia, o filme (nunca perder... tous les matins du monde sont sans retour). Fica um exemplo do seu trabalho. Do Orfeo de Monteverdi, Dal mio Permesso amato, Savall conduz o coração de Eurídice. E o nosso.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

A. H. de Oliveira Marques (23/08/1933-23/01/2007)


"I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of life, and see if I could not learn what it had to teach, and not, when I came to die, discover that I had not lived. I did not wish to live what was not life, living is so dear; nor did I wish to practise resignation, unless it was quite necessary. I wanted to live deep and suck out all the marrow of life, to live so sturdily and Spartan-like as to put to rout all that was not life, to cut a broad swath and shave close, to drive life into a corner, and reduce it to its lowest terms, and, if it proved to be mean, why then to get the whole and genuine meanness of it, and publish its meanness to the world; or if it were sublime, to know it by experience." -Thoreau

Tu sais...




"- Tu sais... quand on est tellement triste on aime les couchers de soleil... "
A. Saint-Éxupery

domingo, 21 de janeiro de 2007

Mãos de fogo

Yann Tiersen estará em Portugal nos dias 6 e 7 de Março de 2007, respectivamente na Casa das Artes, em Vila Nova de Famalicão, e na Aula Magna, em Lisboa.
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Mãos de fogo, olhos fora do mundo, sensibilidade à flor da pele.

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Não se perdem sonhos...

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Deixei passar a madrugada

Entre a lua e o sol fez-se um acordo
Mas não se fez acorde.
Pedro Tamen
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Deixei passar a luz do sol e a madrugada fugiu da janela do olhar. Agora como começarei o dia? Sem um ponto cardeal, sem oriente. O azul do tecto da rua de nós diz-me que é manhã. Faltei à madrugada. As outras estrelas brilharam demais, o corpo pesou. Sem madrugada, sem ar, onde é o Norte do hoje? Não se perde assim a beleza de dentro de nós, todos viram, escapou, dormia sossegada, é mais antiga e mais astuciosa. Perdi-a, não se tranca a madrugada numa arca nem num bolso. Não é uma sombra cosida em nós, é para agarrar com o desejo de nascer depois da noite.
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Deixei passar o rasto da vida e vou segui-lo agora, correr pequena perante o inevitável de quem chega tarde ao filme e começa o dia depois do dia trabalhar. Sem pilhas e sem relógio, com a força do inevitável, correr para agarrar a madrugada seguinte, estar atenta aos primeiros sinais de amor a entrar no mundo, a cruzar o escuro, do lado de cá do meu planeta, do lado de cá por favor. Sempre a madrugada, para que não faça mais frio. Nem sempre acordamos a tempo, mas é bom ver nascer o sol e tentar fazer parte de tudo o que é maior.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Dormir sobre o assunto

Vincent Van Gogh, Sleeping Workers
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É comum, a expressão. É mesmo uma opção compreensível em certas circunstâncias, embora pouco lógica. Apenas nos beneficia em tempo de descompressão, ninguém pensa enquanto dorme, eu pertenço mais à equipa das insónias. Já noutras dimensões me parece que anda a ser levada a expressão demasiado à letra... Como exemplo, temos a recente e produtiva sesta do Conselho de Ministros, de que brotou a Resolução 9/2007. Passo a explicar: a acessibilidade de cidadãos portadores de deficiências sensoriais, motoras ou cognitivas não é uma brincadeira. Entenda-se que já está na hora do Conselho de Ministros deixar de dormir em serviço, de emitir intenções literárias escritas por assessores politicamente correctos, assinadas de cruz, passar à acção, descer a campo. Ter a humildade e nobreza de aprender o que não sabe, ter a inteligência de estudar o que é complexo. E depois, sim, tomar opções, de preferência conscientes. Bom, devem ter Internet, a Constituição foi consultada...
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"A Constituição da República Portuguesa atribui ao Estado a obrigação de promover o bem estar e qualidade de vida do povo e a igualdade real e jurídico-formal entre todos os portugueses [alínea d) do artigo 9.o e artigo 13.o], bem como a realização de «uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais e tutores» (n.o 2 do artigo 71.o)."
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Claro, é melhor não lerem o resto, a parte em que se entrega a execução das medidas consideradas necessárias a entidades que não têm a menor qualificação para se fiscalizarem sequer a si mesmas. Por exemplo, o Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência que não tem, nas suas instalações, condições mínimas de acessibilidade arquitectónica.
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Em paralelo, discute-se em canais marginais, este e outros assuntos, como o sistema de quotas para empregabilidade. Cito, devidamente autorizada, quem sabe bem mais que eu por experiência directa e por conhecimento do mundo das leis, o meu amigo Rodrigo Santos:
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"O que é que na prática impede um cego, surdo, paraplégico, etc., de ter plena actividade política? A sua participação ou actividade política está, por natureza, diminuída ou socialmente estigmatizada? Nada disso. Parece-me por isso não haver lugar aqui sequer a um assunto que mereça tratamento legal. Trata-se de uma pura questão de interesse, de mérito e de esforço. Quem tem unhas, toca guitarra. Quem não tem mas gostava de ter, tenta-se aproveitar de expedientes para lá chegar, tentando forçar a analogia de uma ideia, que já de si é tudo menos desejável, para lá chegar. Sim, falo das quotas. Poder-me-ão falar no estigma social. Estamos aqui de acordo. Mas... porque será o José, o Paulo, a Maria, o Manuel, excluído de uma lista partidária? Por ser cego, coxo, ter outras deficiências menos visíveis mas nem por isso menos incapacitantes? Em que é que, especificamente, isso diminui a sua capacidade de trabalho político e/ou de tomada de decisão? Em nada, creio eu. É claro que, se houvesse representatividade dos deficientes nos órgãos de tomada de decisão, tudo seria - ao menos em teoria - mais fácil, em termos de moldar a sociedade onde ela pode ser moldada. Mas, como foi bem salientado no debate parlamentar sobre esta petição havido hoje no Plenário da Assembleia da República, e como qualquer um de nós sabe, os deficientes, sejam eles quais forem e quantos forem, conseguirão, querendo, operar as verdadeiras mudanças. Basta que tenham mérito, e que se empenhem, para poderem ter actividade política. Sim, porque as regras de acesso à actividade política são plenamente conhecidas, e não é em razão da deficiência que se vai verificar o estigma da sua inutilização. Porque, por si só e pela pura teoria da representatividade, daqui a pouco vamos exigir quotas na Assembleia da República para os desempregados, para os que têm menos que a escolaridade obrigatória, para os que sofrem de doenças terminais, para os utentes do IC19... e por aí sucessivamente."
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Pensando melhor, vou dormir sobre estes assuntos. Os nossos dirigentes que acordem e ouçam quem sabe o que diz...

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Medos divertidos ou como se faz uma tese em ciências humanas


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Até que é divertido, apesar dos esforços para me manter séria no caos e estar agradecida a Umberto Eco por conjugar a imaginação com o pragmatismo... Todos nos queixamos de stress, mas funcionamos bem em esforço. As Alices caem pelos poços abaixo e perseguem coelhinhos com ou sem relógio porque estão paradas há tempo demais, os livros têm bonecos a menos e as grinaldas de margaridas são demasiado certas e previsíveis. Claro, os poços não precisam de ser tão fundos nem tão assustadores, mas até encontramos factores de distracção nas prateleiras e no fim, quem sabe, um frasco de doce ou rosas brancas para defender de monarquias insanas.
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Olho para o que me cerca e vejo fontes e teoria, um computador, uma chávena de café, um maço de tabaco longamente esvaziado pelo dia fora, a coragem nas ruas da amargura e sem GPS, numa fuga cobarde, alarmada pela proximidade da almofada que hoje vencerá, certamente, a batalha.

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As fontes, pois que fiz o curso de História - embora a família me quisesse em Direito - são para ler com lucidez, os nossos olhos a procurar cirurgicamente, despudoradamente, o que queremos ver (sempre me irritaram historiadores pretensiosamente ou inconscientemente imparciais).

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A teoria, essa, é fascinante demais, droga viciante, alucinogénio para espíritos menos sãos como o meu, com vontade de viver muitas vidas para aprender muito, desaprender tudo e construir sobre todas as grelhas encontradas, ainda assim, não sendo certamente capaz de perceber o suficiente para ter a pertinência de questionar mais que uma criança que se olha a um espelho pela primeira vez.
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Em suma, perdoem-me o desabafo, devo confessar que fazer uma tese nunca me pareceu tão difícil. Escrevo compulsivamente e tenho problemas disciplinares, sinto-me sobrecarregada com sombras que são sonhos, flutuo entre o dever e o devir, não sei, certamente, o melhor caminho, mas continuo a caminhar. Afinal, trabalho com o conceito de diferença, estudo o conceito de diferença e não gosto de rotinas nem de rebanhos. Criar é bom, mesmo que seja ilusório. Diferir de nós, criar rupturas e questões que nos construam e arrasem. Noites de sono perdidas, olhos vermelhos de ler, tapete vermelho na farmácia quando vamos comprar ainda mais aspirinas. Vale a pena correr riscos? Sempre. E sorrio. Porque escrevo em distracção enquanto estudo. E quando não se olha tudo fica mais claro. Como na frase que me salta agora do livro que tenho aberto ao lado do teclado...

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"It is because writing is inaugural, in the fresh sense of the word, that it is dangerous and anguishing."
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Jacques Derrida, Writing and Difference

sábado, 13 de janeiro de 2007

Dá colinho...


A Minha Matilde & Cª divulgou uma acção fabulosa promovida por Ana Reis e divulgada já por vários blogs. Todos juntos? Sem dúvida. Pelas palavras, pelo carinho, por idealismos, por sonhos, por lutas. Porque vale a pena. Vamos dar uma mãozinha para o lado de lá do monitor, um abraço que chegue dos bloggers portugueses à Ajuda de Berço.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Dia de ser alegre

"Defender la alegría como una trinchera
defenderla del escándalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias y las definitivas
defender la alegría como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias y los graves diagnósticos
defender la alegría como una bandera
defenderla del rayo y la melancolía
de los ingenuos y de los canallas
de la retórica y los paros cardiacos
de las endemias y las academias
defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres
defender la alegría como una certeza
defenderla del óxido y la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa
defender la alegría como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lástimas
del azar y también
de la alegría."

Mario Benedetti

(obrigado, Tondo Rotondo, é lindo)

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Está?

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Claro que está... Quem é que está? Como se vulgarizou o telefone? Como se vulgarizaram expressões associadas ao seu uso? Deixámos de chamar pela telefonista ("menina"), as centrais não são de cavilhas, nem recurso único de subsistência para invisuais, felizmente o amanhã foi chegando pelo fio. No entanto, os nossos mecanismos de memória foram condicionados, os de comunicação também. Perguntamos "Onde estás?" porque utilizamos mais os telefones móveis que os fixos. Sabemos quem está do outro lado da linha, vendemos alma e identidade, para o melhor e para o pior (só na saúde e na doença é que enfim, entre baterias fracas e as nossas mazelas, cá temos que nos arranjar e gerir a questão autonomamente). Não decoramos mais os números. Primeiro, porque ficaram muito grandes (o telefone de Coruche do meu avô era o nº 4...). Segundo, estão na memória que já não é nossa, mas de cartões, que não servem mais para embalar rebuçados na mercearia mas para transferir informação fundamental para o nosso trabalho e para a nossa vida de uns lados para os outros.
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Está? Nem sempre. Quem nunca voltou atrás porque se esqueceu do telemóvel em casa ou no carro, sujeito a um dia de pânico ou vidrinhos partidos? Quem nunca se esqueceu do PIN e teve que procurar em desespero um tal de PUC que deixou de servir Oberon e cuja identidade mendigamos à operadora em troca do número de contribuinte?
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Está claro? Como em tudo, há telefones mais iguais que os outros. Uns não têm visor, são telefones adaptados para quem ouve e não vê. Outros falam ou ampliam para gerir agendas e sms. Muitos têm câmara fotográfica. Outros a possibilidade de comunicar em terceira geração directa, em jeito de webcam, passaram a estrelas de filmes de qualidade para quem tenha a coragem de ver a rebelião presa no arrasto de imagem, o filme da comunicação dentro do filme da comunicação ("If you want to be understood, listen").
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Está lá tudo... até os sentidos nos escaparam subitamente para a tecnologia. Têm cores, cheiros (sabores que me conste ainda não). São escadinhas de altares de Santo António para a promoção social do poder de compra. São úteis, viciantes, afectivos e embaraçosos. Tremem quando a timidez de uma reunião nos obriga a ser discretos como elefantes em lojas de porcelanas, agitando o bolso ou a carteira, obrigando-nos a ver debaixo da mesa e com sorrisos amarelo-digital quem chama por nós. E quando temos mais que um somos pessoas importantes, já não chega o sistema de chamadas em espera, verdadeira revolução poligâmica das tecnologias da comunicação.
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Está tudo dito? Nunca. Malditos carregamentos, gestão de assinaturas, qualquer que seja o esquema em que se juntaram certamente Maquiavel e Torquemada para nos extorquir o máximo do ordenado mínimo sob pena de exclusão social. Caixas de correio não electrónicas passaram a ser temidas, entreabertas a medo, envelopes chegam e dão más notícias sempre, substituíndo as boas e seguras cartas de parentes e amigos.
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Está? "Estou a dar aulas", "Estou a sair das aulas", "Estou quase a chegar" "Abre a porta ao miúdo, se fazes favor". Esquecemo-nos de tudo, campaínhas de porta passaram a mobiliário urbano, cabines telefónicas são divertimento de petizes descontrolados, o tempo acelerou, todas as frases são no presente do imediato, avisamos por sms que estamos a chegar onde chegaremos passado um minuto.
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Está mais ou - muitas vezes - menos bem escrito, o português dos sms também tem muito que se lhe diga, a idade de utilizar os telefones fixos e móveis não implica mais sabedoria, mas mais uma discreta portinhola para a irreverência e talvez, convenhamos, algum culto da ignorância e do facilitismo (quem tem K...).
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No mínimo, tornam os nossos dias divertidos. Está certo, sempre gostei de surrealismo...

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

À espera do sol


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro

domingo, 7 de janeiro de 2007

Poder

Sou rica em amigos, o que é fantástico. Alguns têm particularidades ainda muito estigmatizadas, porque desconhecidas, como a paralisia cerebral.
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Outros têm problemas de motricidade devidos à ausência de membros ou à incapacidade de os controlar de forma sistemática. Ou de sentidos. Ou então não. Não há duas pessoas iguais.
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Aprendi que limitações de cariz motor ou sensorial não implicam um afastamento de determinadas áreas que parecem à partida seladas, como a informática, o teatro, a condução, o desporto, a vida afectiva.
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Aprendi como entrar serenamente em salas de espectáculo pela porta das traseiras ou em restaurantes pela cozinha, explicando com educação o que deveria ser mudado.
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Aprendi a compreender que um cão pode ser um amigo e um olhar, que um volante pode ser manejado com os pés, não só com as mãos.
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Aprendi a não me revoltar ao lidar com pequenas adversidades.
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Aprendi a compreender diferentes ritmos e formas de comunicação e vivência.
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Aprendi que há pessoas conscientes dos seus direitos, e que os fazem valer.

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Homens
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e

Mulheres
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como nós...

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Artes e ofícios

Comunicar é uma arte? Convenço-me que por vezes é um ofício. Hoje o meu telemóvel ia derretendo. Claro, não me encontro em circunstâncias normais (nem tenho a pretensão de ser normal sequer). Tenho um familiar hospitalizado, estou a seis meses de entregar uma tese, faço parte da fabulosa geração sanduíche, com pais e filhos para gerir ou nos gerirem, consoante os dias de mais ou menos cansaço. Tenho amigos, sócios, colegas, alunos, companheiros de projectos. Faço parte do mundo, por muito que agora me apetecesse estar numa ilha.

De qualquer forma tenho a comunicar que não atendo mais telefones hoje, a minha comunicação esgotou. Não toda claro, ou não estivesse a escrever um post. Com quem comunicamos quando escrevemos um post? Em primeiro lugar connosco próprios, eu não rascunho os meus posts, escrevo directo e rápido, perdoem-me as gralhas que por aí encontrarem. Depois, com um circuito mais ou menos seguro e doce de pessoas que sabemos que nos vão ler, que lemos também por empatias diversas de interesses. Com algumas surpresas, é bom conhecer opiniões diversas e trocar contactos com quem gosta do mundo das palavras. Mas realmente é uma reflexão, além de ser uma partilha, é uma reflexão exposta a opiniões. No fundo, todos precisamos de saber que está alguém do outro lado.

Demasiada informação a processar hoje. Em fase terminal da Petição para a Acessibilidade Electrónica Portuguesa e num dia em que muito se discutiu a ética e a propriedade da ACAPO lançar igualmente uma petição a pedir formas que considero menos dignas de apoio ao emprego de pessoas portadoras de deficiência, imagino como circularia toda esta informação há uns anos atrás. Lembro-me de não haver televisão em casa dos meus pais. Lembro-me do telefone ser usado pelos adultos e em situações específicas e justificadas. Outros meios confundem-se. Podemos estar em overload de informação vezes a mais e como conseguimos processar tudo? Telefone fixo, telefone móvel, chat, msn, todos os sons do Looney Tunes actual que passaram a fazer parte dos nossos dias e fabulosamente querem dizer que alguém quer falar connosco. Tão bom seria se a aproximação ainda fosse com um abraço amigo e uma conversa franca e directa. Atingimos, porém, um ponto de não retorno, que nos baralha e segura.

Grupos de discussão, blogs, conteúdos de websites para gerir, traduções para acabar, transcrições para rever, trabalhos de casa do filho para partilhar, sinto-me a bater palmas como a Mafalda do Quino "Que lindo! Que lindo!" perante as bolhas de sabão de uma feliz ignorância das coisas mundanas.

Demasiado stress nos nossos dias. Pouco tempo para dedicar ao relevante. Pouco tempo para pensar serenamente em cada palavra lida, dita ou escrita. Pouco tempo para ouvir ou ver com atenção o que nos é dado pelos outros e pelo mundo. Corremos para quê, comunicamos sequiosamente para quê? É difícil filtrar informação. É impossível filtrar sentimentos. Talvez a solução esteja aí. Nas prioridades sentidas, nas paragens, nas rupturas, nos abraços. Mesmo online...

Ser pessoa, ofício e arte, autêntica renda de bilros.
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terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Urgente


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Para o Pyny, com um beijo

Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu,
Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...
Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...
Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer do pensamento um arco de aliança
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...
Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores...
Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste...
Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio, a construir de novo...
Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante...
Se, vivendo entre o povo, és virtuoso e nobre...
Se, vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade...
Se quem conta contigo encontra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espraia em séculos fecundos...
Então, ó ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.
Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!...
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Rudyard Kipling
(há uma versão dita por João Villaret)