quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Artes e ofícios

Comunicar é uma arte? Convenço-me que por vezes é um ofício. Hoje o meu telemóvel ia derretendo. Claro, não me encontro em circunstâncias normais (nem tenho a pretensão de ser normal sequer). Tenho um familiar hospitalizado, estou a seis meses de entregar uma tese, faço parte da fabulosa geração sanduíche, com pais e filhos para gerir ou nos gerirem, consoante os dias de mais ou menos cansaço. Tenho amigos, sócios, colegas, alunos, companheiros de projectos. Faço parte do mundo, por muito que agora me apetecesse estar numa ilha.

De qualquer forma tenho a comunicar que não atendo mais telefones hoje, a minha comunicação esgotou. Não toda claro, ou não estivesse a escrever um post. Com quem comunicamos quando escrevemos um post? Em primeiro lugar connosco próprios, eu não rascunho os meus posts, escrevo directo e rápido, perdoem-me as gralhas que por aí encontrarem. Depois, com um circuito mais ou menos seguro e doce de pessoas que sabemos que nos vão ler, que lemos também por empatias diversas de interesses. Com algumas surpresas, é bom conhecer opiniões diversas e trocar contactos com quem gosta do mundo das palavras. Mas realmente é uma reflexão, além de ser uma partilha, é uma reflexão exposta a opiniões. No fundo, todos precisamos de saber que está alguém do outro lado.

Demasiada informação a processar hoje. Em fase terminal da Petição para a Acessibilidade Electrónica Portuguesa e num dia em que muito se discutiu a ética e a propriedade da ACAPO lançar igualmente uma petição a pedir formas que considero menos dignas de apoio ao emprego de pessoas portadoras de deficiência, imagino como circularia toda esta informação há uns anos atrás. Lembro-me de não haver televisão em casa dos meus pais. Lembro-me do telefone ser usado pelos adultos e em situações específicas e justificadas. Outros meios confundem-se. Podemos estar em overload de informação vezes a mais e como conseguimos processar tudo? Telefone fixo, telefone móvel, chat, msn, todos os sons do Looney Tunes actual que passaram a fazer parte dos nossos dias e fabulosamente querem dizer que alguém quer falar connosco. Tão bom seria se a aproximação ainda fosse com um abraço amigo e uma conversa franca e directa. Atingimos, porém, um ponto de não retorno, que nos baralha e segura.

Grupos de discussão, blogs, conteúdos de websites para gerir, traduções para acabar, transcrições para rever, trabalhos de casa do filho para partilhar, sinto-me a bater palmas como a Mafalda do Quino "Que lindo! Que lindo!" perante as bolhas de sabão de uma feliz ignorância das coisas mundanas.

Demasiado stress nos nossos dias. Pouco tempo para dedicar ao relevante. Pouco tempo para pensar serenamente em cada palavra lida, dita ou escrita. Pouco tempo para ouvir ou ver com atenção o que nos é dado pelos outros e pelo mundo. Corremos para quê, comunicamos sequiosamente para quê? É difícil filtrar informação. É impossível filtrar sentimentos. Talvez a solução esteja aí. Nas prioridades sentidas, nas paragens, nas rupturas, nos abraços. Mesmo online...

Ser pessoa, ofício e arte, autêntica renda de bilros.
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