" (...) porque ele tinha nos braços uma jovem menina desatada sobre um tapete que flutuava sobre as águas lentas e em quem o medo perdia de qualquer forma a sua compostura e ela apesar de tudo aprendia o destino de ser aquilo em que se deveria transformar e transformar, porque não há destino, ontem não a vi, mas tão-só este fazer-se como o que então se fazia, estava fazendo, sem que nenhum deles o soubesse bem. Este fazer-se nisto ou noutro continuando, mais solto, novo, triste e contente muito, perdido de si dizem um e outro, mas achado como que por acaso e persistência, sim, mesmo que hesitante, seguindo em seu voo e cavalgada pelos séculos instantâneos das pétalas de uma rosa: «há em ti algo que como que fecha e abre, abre e fecha e, tinha ou não tinha ele em seus braços uma mulher que crescia em beleza para sua tonta alegria? Tinha. E sabia isso? Talvez o soubesse mas não como pensa que o sabe agora, e é isso que interessa. Poderá afirmar-se que sabia e não sabia. Ela tinha-lhe dado um nome que seria o seu, que ele usava como quem se ouve chamado numa mágica montanha, mesmo se mais tarde era também por ela que vinha esse nome a soar como um vaso quebrado.ela tinha-o como um búzio ao ouvido, um indistinto rumor que lhe falava obscuramente do que ela não sabia, nem talvez soubesse que havia a saber. Nem era ali que ia aprender. Nisso perdidamente unidos. Vocês dois não estão sozinhos na escuridão, dizia o outro. Ela perceberia que aquilo ele estava falando e nisso lhe respondia, mas saberiam do que falavam? supor que nisso estavam começando a aprender aquilo de que não sabiam estar longinquamente falando. O que é maneira de dizer, porque neste momento não falam. Respiram apenas, lenta a mente."
Manuel Gusmão, Dois Sóis.
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