quinta-feira, 2 de abril de 2020

Cabelos sem vento.

Hoje cortei o cabelo em casa. Uma amiga também já o fez. Os filhos dela raparam o cabelo para crescer durante a querentena. Cá em casa hesita-se, cresce a barba, corta-se a barba? Encomenda-se uma máquina de cortar cabelo?
São pequenos detalhes do dia-a-dia que nos fazem perceber que tudo está mal. Tudo está ao contrário. Não é um País das Maravilhas onde caímos, mas um poço fundo com muita dor e muita tristeza, com muito risco, de onde muitas famílias irão sair enlutadas e muitos serviços e negócios arruinados. Nunca tínhamos pensado que os barbeiros/cabeleireiros pudessem estar todos fechados em Portugal. Nunca tínhamos pensado viver uma pandemia. Nunca tínhamos pensado na ausência da escola física. Nunca tínhamos pensado ficar tantos dias todo o dia com a nossa família nuclear, algo que de nos queixávamos - o pouco tempo, as crianças educadas pelos outrso - e que agora nos cai como uma bomba no colo. Encarar os muito próximos, em pijama, de longos cabelos desacertados, ar aborrecido, corpo inerte pela falta de andar.
Só com muito amor poderemos passear de mãos dadas com os cabelos ao vento num dia do futuro. Não sabemos ainda quando. Mas poderemos. Essa vontade é enorme, impaciente e consome-nos. Mas voltaremos a abraçar família e amigos. Por agora só os muito próximos, os mesmo-ao-lado. Se formos fortes encontraremos de longe todos os abraços nesses abraços de perto. E o caminhar livre na rua com os cabelos (cortados) ao vento chegará também, a seu tempo, com segurança, na direcção de um mar acolhedor, de um campo de flores, de uma esplanada cheia de amigos, de um mundo retomado devagarinho como uma criança assustada que teremos, ainda, que levar ao colo durante algum tempo.

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