E não é que existem mesmo? Existe o amor, existe a faculdade de construir, existe a generosidade, existe a partilha. Existe a felicidade construída e sólida. Existe a partir de hoje um casal de amigos a começar uma vida nova cheia de desafios, eles, cheios de coragem para os resolver. Os sorrisos são a melhor prova, a cumplicidade e a ternura também.
"Um título é parte integral de uma história. Porque não? No fim de tudo, a vida não é uma resposta. restam ambiguidades. Resta o espaço para a dúvida." Isaac Asimov, Mensagens do Futuro.
sábado, 31 de março de 2007
Contos de fadas
E não é que existem mesmo? Existe o amor, existe a faculdade de construir, existe a generosidade, existe a partilha. Existe a felicidade construída e sólida. Existe a partir de hoje um casal de amigos a começar uma vida nova cheia de desafios, eles, cheios de coragem para os resolver. Os sorrisos são a melhor prova, a cumplicidade e a ternura também.
sexta-feira, 30 de março de 2007
Beijos por dar
segunda-feira, 26 de março de 2007
Engenho e Arte
Ingenuidades pela Fundação Calouste Gulbenkian?
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Engenho e Arte do senhor dos horizontes perdidos, entre outros tesouros.
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Gostei. Bom para começar a semana de trabalho...
sexta-feira, 23 de março de 2007
Café?
segunda-feira, 19 de março de 2007
O meu pai
domingo, 18 de março de 2007
Os vivos, os mortos e os assim-assim...
sexta-feira, 16 de março de 2007
Social?
Andamos mal informados... Com as novas correntes de informação on line, qual o papel da imprensa escrita? O mesmo de sempre, poder-se-ia responder. Mas seríamos talvez cínicos de mais. Todas as manifestações de liberdade de expressão seriam fantásticas se as deixassem ser. O dinheiro continua a fazer o mundo andar à volta e as pressões de poderes desconhecidos agitam as cabeças que nasceram sem pontos de interrogação. Reparem: não discrimino aqui quem não tem preparação para separar o correcto ou o verdadeiro nalguns casos. Eu não saberia distinguir a precisão de um artigo sobre economia ou medicina. Mas há o chamado bom senso, que passa por questionar. Por pensar, em suma, sobre tudo o que está impresso nas folhas que nos gastam o olhar e a paciência e que acabam por forrar o caixote do lixo, eventualmente sobrando um ou outro recorte.
Nothing but a dreamer
quarta-feira, 14 de março de 2007
=dade
segunda-feira, 12 de março de 2007
Em busca do tempo perdido
Passo a contar a história: Marcel Proust respondeu a um questionário com 13 anos e mais tarde, com 20. Aqui estão as suas respostas...
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- What do you regard as the lowest depth of misery?
To be separated from Mama - Where would you like to live?
In the country of the Ideal, or, rather, of my ideal - What is your idea of earthly happiness?
To live in contact with those I love, with the beauties of nature, with a quantity of books and music, and to have, within easy distance, a French theater - To what faults do you feel most indulgent?
To a life deprived of the works of genius - Who are your favorite heroes of fiction?
Those of romance and poetry, those who are the expression of an ideal rather than an imitation of the real - Who are your favorite characters in history?
A mixture of Socrates, Pericles, Mahomet, Pliny the Younger and Augustin Thierry - Who are your favorite heroines in real life?
A woman of genius leading an ordinary life - Who are your favorite heroines of fiction?
Those who are more than women without ceasing to be womanly; everything that is tender, poetic, pure and in every way beautiful - Your favorite painter?
Meissonier - Your favorite musician?
Mozart - The quality you most admire in a man?
Intelligence, moral sense - The quality you most admire in a woman?
Gentleness, naturalness, intelligence - Your favorite virtue?
All virtues that are not limited to a sect: the universal virtues - Your favorite occupation?
Reading, dreaming, and writing verse - Who would you have liked to be?
Since the question does not arise, I prefer not to answer it. All the same, I should very much have liked to be Pliny the Younger.
Sete anos depois...
- Your most marked characteristic?
A craving to be loved, or, to be more precise, to be caressed and spoiled rather than to be admired - The quality you most like in a man?
Feminine charm - The quality you most like in a woman?
A man's virtues, and frankness in friendship - What do you most value in your friends?
Tenderness - provided they possess a physical charm which makes their tenderness worth having - What is your principle defect?
Lack of understanding; weakness of will - What is your favorite occupation?
Loving - What is your dream of happiness?
Not, I fear, a very elevated one. I really haven't the courage to say what it is, and if I did I should probably destroy it by the mere fact of putting it into words. - What to your mind would be the greatest of misfortunes?
Never to have known my mother or my grandmother - What would you like to be?
Myself - as those whom I admire would like me to be - In what country would you like to live?
One where certain things that I want would be realized - and where feelings of tenderness would always be reciprocated. - What is your favorite color?
Beauty lies not in colors but in thier harmony - What is your favorite flower?
Hers - but apart from that, all - What is your favorite bird?
The swallow - Who are your favorite prose writers?
At the moment, Anatole France and Pierre Loti - Who are your favorite poets?
Baudelaire and Alfred de Vigny - Who is your favorite hero of fiction?
Hamlet - Who are your favorite heroines of fiction?
Phedre (crossed out) Berenice - Who are your favorite composers?
Beethoven, Wagner, Schumann - Who are your favorite painters?
Leonardo da Vinci, Rembrandt - Who are your heroes in real life?
Monsieur Darlu, Monsieur Boutroux (professors) - Who are your favorite heroines of history?
Cleopatra - What are your favorite names?
I only have one at a time - What is it you most dislike?
My own worst qualities - What historical figures do you most despise?
I am not sufficiently educated to say - What event in military history do you most admire?
My own enlistment as a volunteer! - What reform do you most admire?
(no response) - What natural gift would you most like to possess?
Will power and irresistible charm - How would you like to die?
A better man than I am, and much beloved - What is your present state of mind?
Annoyance at having to think about myself in order to answer these questions - To what faults do you feel most indulgent?
Those that I understand - What is your motto?
I prefer not to say, for fear it might bring me bad luck.
Vale a pena consultar as respostas do Ed no SemiÓtica. As minhas são estas:
1. Qual é a sua maior qualidade? A teimosia
2. E seu maior defeito? A teimosia também…
3. A característica mais importante em um homem? Intensidade
4. E em uma mulher? Sentido de humor (precisamos…)
5. O que você mais aprecia nos seus amigos? Um bom abraço!
6. Sua atividade favorita é… Ler.
7. Qual a sua idéia de felicidade? Estar apaixonado. Por tudo.
8. E o que seria a maior das tragédias? A solidão.
9. Quem você gostaria de ser, se não fosse você mesmo? Guilhermina Suggia.
10. E onde gostaria de viver? Paris.
11. Qual sua cor favorita? Branco
12. Uma flor? Papoila (mesmo, só que em versão portuguesa…)
13. Um pássaro? Andorinha-do-mar.
14. Seus autores preferidos? Proust, Poe, Kafka, Umberto Eco, Fernando Pessoa, Eça de Queirós, Mário de Sá-Carneiro, tantos, que me construíram.
15. O os poetas que mais gosta? Os surrealistas, em geral.
16. Quem são seus heróis de ficção? Peter Pan
17. E as heroínas? Alice, mesmo quando não no país das maravilhas.
18. Seu compositor favorito é… Mozart
19. E os pintores que você mais curte? Rembrandt
20. Quem são suas heroínas na vida real? Grandes amigas, grandes lutadoras, sim, também a minha mãe.
21. E quem são seus heróis? Os meus companheiros de trabalho e de lutas. Muito, mas mesmo muito, o meu filho.
22. Qual sua palavra favorita? Son(h)o.
23. O que você mais detesta? Preconceitos, prepotências e estupidez (associadas, então!)
24. Quais são os personagens históricos que você mais despreza? Hitler.
25. Quais dons naturais você gostaria de possuir? Bom senso.
26. Como você gostaria de morrer? No colo do meu amor.
27. Qual seu atual estado de espírito? Apaixonada.
28. Que defeito é mais fácil perdoar? Ingenuidade.
29. Qual é o lema da sua vida? “Marcar os meus pés na areia inexplorada. O mais que faço não vale nada” (José Régio)
Aceitam-se mais respostas, em público ou privado. É sempre bom pensar em conjunto. Proust tinha razão. Não se perde tempo, procura-se, em nós e nos outros.
Papagueno, Ludovicus Rex, Link, Nélio, Nicleskaput... e mais cinco que venham, aceitam responder?
sábado, 10 de março de 2007
Nós e os contras
sexta-feira, 9 de março de 2007
Toada
"Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela
Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!
Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e amarelos,
Salpicados de Oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia, rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me."
-
José Régio, Toada de Portalegre (para ler e visitar consoante os estados de espírito, perdendo-nos nas ruas mais fechadas e frias ou largando o olhar nos campos abertos, "como se escrevessemos um poema ou se um filho nos nascera"...)
quinta-feira, 8 de março de 2007
terça-feira, 6 de março de 2007
Tudo
" (...) por além entra a tristeza, por aquela entra a saudade, e o desejo, e a humildade, e o silêncio, e a surpresa, e o amor dos homens, e o tédio, e o medo, e a melancolia, e essa fome sem remédio a que se chama poesia, e a inocência, e a bondade, e a dor própria, e a dor alheia, e a paixão que se incendeia, e a viuvez, e a piedade, e o grande pássaro branco, e o grande pássaro negro que se olham obliquamente, arrepiados de medo, todos os risos e choros, todas as fomes e sedes, tudo alonga a sua sombra nas minhas quatro paredes." ANTÓNIO GEDEÃO
segunda-feira, 5 de março de 2007
Fracções
domingo, 4 de março de 2007
Inocentes até prova em contrário?
Um bom tema de debate encontrado noutra galáxia. Há mais violência nos desenhos animados da geração born in the 60ths ou nos da geração born in the 90ths? Falo destas faixas etárias porque são a minha e a do meu filho, ficando assim a jogar em casa. Eu via, obviamente, os Looney Tunes. Claro, passava todo o discurso do Vasco Granja à espera de cinco minutos de perseguições, pancadaria e algum cinismo dos anti-heróis que nos seduziam o dark side infantil num estado novo em ruptura. Ria-me, de facto, com gosto, e não me parece que tenha levado mais pancada dos meus irmãos por isso. Também lia Hergé e Goscinny que me dispunham melhor que contos de fadas.
Chegou depois a fase da grande depressão: entraram pelos écrans a Heidi, o Marco e os seus acompanhantes. Supostamente desenhos mais construtivos e humanos, para mim altamente depressivos. Simplesmente não via. Começaram a circular colecções de cromos com as montanhas e o avô e a mãe e o macaquinho e a paciência esgotou. Recusa do real? Não sei. Fase do armário a coincidir com mudanças de discurso para a infância? A verdade é que me centrei ainda mais em quadradinhos como o Fantasma e outros heróis longínquos, em livros de aventuras mais apelativas ou mais fiáveis, e me mantive fiel até hoje à BD franco-belga. O Bip-bip passou em definitivo a herói estável, o coiote a perdedor ridículo. Que influência tiveram no meu crescimento?
Na verdade, podemos fazer uma bela análise de crueldade só neste trecho que apanhei no youtube: é do mais completo. O discurso, a música, os efeitos, as passagens, a sobrevivência eterna no eterno prepotente/perdedor, o cinismo do teóricamente fraco, de discurso compungente, acompanhado de solos de violino, saboreando uma vitória eficaz e seguramente antecipada, arrebatando a raiva dispersa e inútil e os louros. "I hate rabbits" por "I hate lions"? Nada de confusões por aqui.
Partilhei o meu imaginário de infância com o meu filho. Temos estruturas parecidas, por capricho dos genes ou da empatia. Não vê desenhos animados em directo, não gosta, mas gosta de cinema, sempre gostou e haverá figuras mais preversas que os porquinhos escapando da cadeia alimentar e festejando o lobo a cair num caldeirão de água a ferver? Se levarmos os argumentos à letra, ninguém se salva, ou será pacífico ver filmes como o Star Wars, onde Darth Vader é um puto doce e lourinho? Afinal onde páram o bem e o mal? E como explicar, se é numa galáxia distante que se passa a história, que afinal é tudo tão próximo?
Como se constroem os imaginários que nos afectam e nos mobilizam sentimentos? Educar é um mistério. Significa demasiado formatar. Não vale alegar o complexo de Peter Pan, todos estamos neste bolo. Faz diferença o filme que se escolhe a seguir? Faz. Não deve ser engolido, deve ser visto. E conversado. Não se passeia pela vida. Acho que vale a pena tentar passar a mensagem. Nada é inocente. Em nenhuma época. Nem nós próprios.
sexta-feira, 2 de março de 2007
Maria José, em pessoa
-
Maria José, Metáfora de Uma Alma à Janela*
ou
A CARTA DA CORCUNDA PARA O SERRALHEIRO
Maria José
"Senhor António: O senhor nunca há de ver esta carta, nem eu a hei de ver segunda vez porque estou tuberculosa, mas eu quero escrever-lhe ainda que o senhor o não saiba, porque se não escrevo abafo.
O senhor não sabe quem eu sou, isto é, sabe mas não sabe a valer. Tem-me visto à janela quando o senhor passa para a oficina e eu olho para si, porque o espero a chegar, e sei a hora que o senhor chega. Deve sempre ter pensado sem importância na corcunda do primeiro andar da casa amarela, mas eu não penso senão em si. Sei que o senhor tem uma amante, que é aquela rapariga loura alta e bonita; eu tenho inveja dela mas não tenho ciúmes de si porque não tenho direito a ter nada, nem mesmo ciúmes. Eu gosto de si porque gosto de si, e tenho pena de não ser outra mulher, com outro corpo e outro feitio, e poder ir à rua e falar consigo ainda que o senhor me não desse razão de nada, mas eu estimava conhecê-lo de falar.
O senhor é tudo quanto me tem valido na minha doença e eu estou-lhe agradecida sem que o senhor o saiba. Eu nunca poderia ter ninguém que gostasse de mim como se gostasse das pessoas que têm o corpo de que se pode gostar, mas eu tenho o direito de gostar sem que gostem de mim, e também tenho o direito de chorar, que não se negue a ninguém.
Eu gostava de morrer depois de lhe falar a primeira vez mas nunca terei coragem nem maneiras de lhe falar. Gostava que o senhor soubesse que eu gostava muito de si, mas tenho medo que se o senhor soubesse não se importasse nada, e eu tenho pena já de saber que isso é absolutamente certo antes de saber qualquer coisa, que eu mesmo não vou procurar saber.
Eu sou corcunda desde a nascença e sempre riram de mim. Dizem que todas as corcundas são más, mas eu nunca quis mal a ninguém. Além disso sou doente, e nunca tive alma, por causa da doença, para ter grandes raivas. Tenho dezanove anos e nunca sei para que é que cheguei a ter tanta idade, e doente, e sem ninguém que tivesse pena de mim a não ser por eu ser corcunda, que é o menos, porque é a alma que me dói, e não o corpo, pois a corcunda não faz dor. Eu até gostava de saber como é a sua vida com a sua amiga, porque como é uma vida que eu nunca posso ter — e agora menos que nem vida tenho — gostava de saber tudo.
Desculpe escrever-lhe tanto sem o conhecer, mas o senhor não vai ler isso, e mesmo que lesse nem sabia que era consigo e não ligava importância em qualquer caso, mas gostaria que pensasse que é triste ser marreca e viver sempre só à janela, e ter mãe e irmãs que gostam da gente mas sem ninguém que goste de nós, porque tudo isso é natural e é a família, e o que faltava é que nem isso houvesse para uma boneca com os ossos às avessas como eu sou, como eu já ouvi dizer.
Houve um dia que o senhor vinha para a oficina e um gato se pegou à pancada com um cão aqui defronte da janela, e todos estivemos a ver, e o senhor parou, ao pé do Manuel das Barbas, na esquina do barbeiro, e depois olhou para mim, para a janela, e viu-me a rir e riu também para mim, e essa foi a única vez que o senhor esteve a sós comigo, por assim dizer, que isso nunca poderia eu esperar.
Eu gostava de morrer depois de lhe falar a primeira vez mas nunca terei coragem nem maneiras de lhe falar. Gostava que o senhor soubesse que eu gostava muito de si, mas tenho medo que se o senhor soubesse não se importasse nada, e eu tenho pena já de saber que isso é absolutamente certo antes de saber qualquer coisa, que eu mesmo não vou procurar saber.
Eu sou corcunda desde a nascença e sempre riram de mim. Dizem que todas as corcundas são más, mas eu nunca quis mal a ninguém. Além disso sou doente, e nunca tive alma, por causa da doença, para ter grandes raivas. Tenho dezanove anos e nunca sei para que é que cheguei a ter tanta idade, e doente, e sem ninguém que tivesse pena de mim a não ser por eu ser corcunda, que é o menos, porque é a alma que me dói, e não o corpo, pois a corcunda não faz dor. Eu até gostava de saber como é a sua vida com a sua amiga, porque como é uma vida que eu nunca posso ter — e agora menos que nem vida tenho — gostava de saber tudo.
Desculpe escrever-lhe tanto sem o conhecer, mas o senhor não vai ler isso, e mesmo que lesse nem sabia que era consigo e não ligava importância em qualquer caso, mas gostaria que pensasse que é triste ser marreca e viver sempre só à janela, e ter mãe e irmãs que gostam da gente mas sem ninguém que goste de nós, porque tudo isso é natural e é a família, e o que faltava é que nem isso houvesse para uma boneca com os ossos às avessas como eu sou, como eu já ouvi dizer.
Houve um dia que o senhor vinha para a oficina e um gato se pegou à pancada com um cão aqui defronte da janela, e todos estivemos a ver, e o senhor parou, ao pé do Manuel das Barbas, na esquina do barbeiro, e depois olhou para mim, para a janela, e viu-me a rir e riu também para mim, e essa foi a única vez que o senhor esteve a sós comigo, por assim dizer, que isso nunca poderia eu esperar.
Tantas vezes, o senhor não imagina, andei à espera que houvesse outra coisa qualquer na rua quando o senhor passasse e eu pudesse outra vez ver o senhor a ver e talvez olhasse para mim e eu pudesse olhar para si e ver os seus olhos a direito para os meus. Mas eu não consigo nada do que quero, nasci já assim, e até tenho que estar em cima de um estrado para poder estar à altura da janela. Passo todo o dia a ver ilustrações e revistas de modas que emprestam à minha mãe, e estou sempre a pensar noutra coisa, tanto que quando me perguntam como era aquela saia ou quem é que estava no retrato onde está a Rainha de Inglaterra, eu às vezes me envergonho de não saber, porque estive a ver coisas que não podem ser e que eu não posso deixar que me entrem na cabeça e me dêem alegria para eu depois ainda por cima ter vontade de chorar. Depois todos me desculpam, e acham que sou tonta, mas não me julgam parva, porque ninguém julga isso, e eu chego a não ter pena da desculpa, porque assim não tenho que explicar porque é que estive distraída.
Ainda me lembro daquele dia que o senhor passou aqui ao Domingo com o fato azul claro. Não era azul claro, mas era uma sarja muito clara para o azul escuro que costuma ser. O senhor ia que parecia o próprio dia que estava lindo e eu nunca tive tanta inveja de toda a gente como nesse dia. Mas não tive inveja da sua amiga, a não ser que o senhor não fosse ter com ela mas com outra qualquer, porque eu não pensei senão em si, e foi por isso que invejei toda a gente, o que não percebo mas o certo é que é verdade.
Não é por ser corcunda que estou aqui sempre à janela, mas é que ainda por cima tenho uma espécie de reumatismo nas pernas e não me posso mexer, e assim estou como se fosse paralítica, o que é uma maçada para todos cá em casa e eu sinto ter que ser toda a gente a aturar-me e a ter que me aceitar que o senhor não imagina. Eu às vezes dá-me um desespero como se me pudesse atirar da janela abaixo, mas eu que figura teria a cair da janela? Até quem me visse cair ria e a janela é tão baixa que eu nem morreria, mas era ainda mais maçada para os outros, e estou a ver-me na rua como uma macaca, com as pernas à vela e a corcunda a sair pela blusa e toda a gente a querer ter pena mas a ter nojo ao mesmo tempo ou a rir se calhasse, porque a gente é como é e não como tinha vontade de ser.
Tantas vezes, o senhor não imagina, andei à espera que houvesse outra coisa qualquer na rua quando o senhor passasse e eu pudesse outra vez ver o senhor a ver e talvez olhasse para mim e eu pudesse olhar para si e ver os seus olhos a direito para os meus.
Mas eu não consigo nada do que quero, nasci já assim, e até tenho que estar em cima de um estrado para poder estar à altura da janela. Passo todo o dia a ver ilustrações e revistas de modas que emprestam à minha mãe, e estou sempre a pensar noutra coisa, tanto que quando me perguntam como era aquela saia ou quem é que estava no retrato onde está a Rainha de Inglaterra, eu às vezes me envergonho de não saber, porque estive a ver coisas que não podem ser e que eu não posso deixar que me entrem na cabeça e me dêem alegria para eu depois ainda por cima ter vontade de chorar.
Depois todos me desculpam, e acham que sou tonta, mas não me julgam parva, porque ninguém julga isso, e eu chego a não ter pena da desculpa, porque assim não tenho que explicar porque é que estive distraída.
Ainda me lembro daquele dia que o senhor passou aqui ao Domingo com o fato azul claro. Não era azul claro, mas era uma sarja muito clara para o azul escuro que costuma ser. O senhor ia que parecia o próprio dia que estava lindo e eu nunca tive tanta inveja de toda a gente como nesse dia. Mas não tive inveja da sua amiga, a não ser que o senhor não fosse ter com ela mas com outra qualquer, porque eu não pensei senão em si, e foi por isso que invejei toda a gente, o que não percebo mas o certo é que é verdade.
Não é por ser corcunda que estou aqui sempre à janela, mas é que ainda por cima tenho uma espécie de reumatismo nas pernas e não me posso mexer, e assim estou como se fosse paralítica, o que é uma maçada para todos cá em casa e eu sinto ter que ser toda a gente a aturar-me e a ter que me aceitar que o senhor não imagina. Eu às vezes dá-me um desespero como se me pudesse atirar da janela abaixo, mas eu que figura teria a cair da janela? Até quem me visse cair ria e a janela é tão baixa que eu nem morreria, mas era ainda mais maçada para os outros, e estou a ver-me na rua como uma macaca, com as pernas à vela e a corcunda a sair pela blusa e toda a gente a querer ter pena mas a ter nojo ao mesmo tempo ou a rir se calhasse, porque a gente é como é e não como tinha vontade de ser.
(...)
- e enfim porque lhe estou eu a escrever se lhe não vou mandar esta carta? O senhor que anda de um lado para o outro não sabe qual é o peso de a gente não ser ninguém. Eu estou à janela todo o dia e vejo toda a gente passar de um lado para o outro e ter um modo de vida e gozar e falar a esta e àquela, e parece que sou um vaso com uma planta murcha que ficou aqui à janela por tirar de lá.
O senhor não pode imaginar, porque é bonito e tem saúde o que é a gente ter nascido e não ser gente, e ver nos jornais o que as pessoas fazem, e uns são ministros e andam de um lado para o outro a visitar todas as terras, e outros estão na vida da sociedade e casam e têm batizados e estão doentes e fazem-lhe operações os mesmos médicos, e outros partem para as suas casas aqui e ali, e outros roubam e outros queixam-se, e uns fazem grandes crimes e há artigos assinados por outros e retratos e anúncios com os nomes dos homens que vão comprar as modas ao estrangeiro, e tudo isto o senhor não imagina o que é para quem é um trapo como eu que ficou no parapeito da janela de limpar o sinal redondo dos vasos quando a pintura é fresca por causa da água.
Se o senhor soubesse isto tudo era capaz de vez em quando me dizer adeus da rua, e eu gostava de se lhe poder pedir isso, porque o senhor não imagina, eu talvez não vivesse mais, que pouco é o que tenho de viver, mas eu ia mais feliz lá para onde se vai se soubesse que o senhor me dava os bons dias por acaso.
A Margarida costureira diz que lhe falou uma vez, que lhe falou torto porque o senhor se meteu com ela na rua aqui ao lado, e essa vez é que eu senti inveja a valer, eu confesso porque não lhe quero mentir, senti inveja porque meter-se alguém conosco é a gente ser mulher, e eu não mulher nem homem, porque ninguém acha que eu sou nada a não ser uma espécie de gente que está para aqui a encher o vão da janela e a aborrecer tudo que me vêm, valha me Deus.
O António (é o mesmo nome que o seu, mas que diferença!) o António da oficina de automóveis disse uma vez a meu pai que toda a gente deve produzir qualquer coisa, que sem isso não há direito a viver, que quem não trabalha não come e não há direito a haver quem não trabalhe. E eu pensei que faço eu no mundo, que não faço nada senão estar à janela com toda a gente a mexer-se de um lado para o outro, sem ser paralítica, e tendo maneira de encontrar as pessoas de quem gosta, e depois poderia produzir à vontade o que fosse preciso porque tinha gosto para isso. Adeus senhor António, eu não tenho senão dias de vida e escrevo esta carta só para a guardar no peito como se fosse uma carta que o senhor me escrevesse em vez de eu a escrever a si. Eu desejo que o senhor tenha todas as felicidades que possa desejar e que nunca saiba de mim para não rir porque eu sei que não posso esperar mais.
Eu amo o senhor com toda a minha alma e toda a minha vida.
Aí tem e estou a chorar."