domingo, 4 de março de 2007

Inocentes até prova em contrário?

Um bom tema de debate encontrado noutra galáxia. Há mais violência nos desenhos animados da geração born in the 60ths ou nos da geração born in the 90ths? Falo destas faixas etárias porque são a minha e a do meu filho, ficando assim a jogar em casa. Eu via, obviamente, os Looney Tunes. Claro, passava todo o discurso do Vasco Granja à espera de cinco minutos de perseguições, pancadaria e algum cinismo dos anti-heróis que nos seduziam o dark side infantil num estado novo em ruptura. Ria-me, de facto, com gosto, e não me parece que tenha levado mais pancada dos meus irmãos por isso. Também lia Hergé e Goscinny que me dispunham melhor que contos de fadas.

Chegou depois a fase da grande depressão: entraram pelos écrans a Heidi, o Marco e os seus acompanhantes. Supostamente desenhos mais construtivos e humanos, para mim altamente depressivos. Simplesmente não via. Começaram a circular colecções de cromos com as montanhas e o avô e a mãe e o macaquinho e a paciência esgotou. Recusa do real? Não sei. Fase do armário a coincidir com mudanças de discurso para a infância? A verdade é que me centrei ainda mais em quadradinhos como o Fantasma e outros heróis longínquos, em livros de aventuras mais apelativas ou mais fiáveis, e me mantive fiel até hoje à BD franco-belga. O Bip-bip passou em definitivo a herói estável, o coiote a perdedor ridículo. Que influência tiveram no meu crescimento?

Na verdade, podemos fazer uma bela análise de crueldade só neste trecho que apanhei no youtube: é do mais completo. O discurso, a música, os efeitos, as passagens, a sobrevivência eterna no eterno prepotente/perdedor, o cinismo do teóricamente fraco, de discurso compungente, acompanhado de solos de violino, saboreando uma vitória eficaz e seguramente antecipada, arrebatando a raiva dispersa e inútil e os louros. "I hate rabbits" por "I hate lions"? Nada de confusões por aqui.

Partilhei o meu imaginário de infância com o meu filho. Temos estruturas parecidas, por capricho dos genes ou da empatia. Não vê desenhos animados em directo, não gosta, mas gosta de cinema, sempre gostou e haverá figuras mais preversas que os porquinhos escapando da cadeia alimentar e festejando o lobo a cair num caldeirão de água a ferver? Se levarmos os argumentos à letra, ninguém se salva, ou será pacífico ver filmes como o Star Wars, onde Darth Vader é um puto doce e lourinho? Afinal onde páram o bem e o mal? E como explicar, se é numa galáxia distante que se passa a história, que afinal é tudo tão próximo?

Como se constroem os imaginários que nos afectam e nos mobilizam sentimentos? Educar é um mistério. Significa demasiado formatar. Não vale alegar o complexo de Peter Pan, todos estamos neste bolo. Faz diferença o filme que se escolhe a seguir? Faz. Não deve ser engolido, deve ser visto. E conversado. Não se passeia pela vida. Acho que vale a pena tentar passar a mensagem. Nada é inocente. Em nenhuma época. Nem nós próprios.

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