... não mudam com o tempo.
Que tristeza.
Que tristeza.
À medida que o meu trabalho avançava ia consciencializando como os nomes podem ser preversos. Encontrei em debates do nosso Arquivo Histórico Parlamentar, no caso específico, nos diários das Cortes e Pares do Reino da Monarquia Constitucional uma estranha forma de utilização da palavra "cego", sempre usada em termos metafóricos, como o incapaz de ver a verdade, o óbvio, o mau leitor de mensagens, o deficiente na percepção de uma realidade. E ao pesquisar aquelas bases de dados eu procurava mesmo debates sobre cegos... Encontrei-os em temerosas designações e seus derivados (desvalidos da fortuna, privados de luz, infelizes que vivem nas trevas). Perdão? Cego é quem não tem a possibilidade de utilização do sentido da visão. Não é um insulto. É uma característica.
No meu trabalho e mesmo em debates recentes, deparei-me com o mesmo problema - também já dei com ele blogosfera fora. O problema de sensibilidades quanto à utilização de determinados termos, normalmente os tecnicamente correctos. E a utilização de caritativas metáforas para quem não as pede. Em troca da deturpação das designações de determinados estados, características ou patologias para discursos violentos e agressivos, fora de contexto e, a maior parte das vezes, inconsequentes.
Trabalhei na SIC durante um ano e conheci o jornalista Mário Crespo, de quem me ficou uma simpática impressão em termos humanos (trabalhar no stress e ser delicado com os colegas júniores é menos fácil e menos comum que se possa pensar). Enquanto jornalista não me sinto capaz de avaliar o seu percurso, mas enquanto cronista surpreendeu-me na semana passada. A sua crónica no Expresso é uma análise fabulosa da onda de discursos imprecisos e ofensivos que criaram raízes na nossa Assembleia da República, sem qualquer reparo. Mário Crespo reparou. Na utilização do termo "autista" vezes a mais e em contextos de agressão. Chama a atenção, e muito bem, para a necessidade de moderação dos discursos parlamentares em situações que deviam ser penalizáveis. Cito: "É monstruoso que representantes eleitos de uma nação, com repetida falta de humanidade, insistam em utilizar como um insulto um termo que é sinónimo de uma imensidade de tragédias pessoais. É extraordinário que sucessivas presidências da Assembleia da República não tenham ainda feito um reparo rectificador e uma vigorosa admoestação a quem ultraja toda uma comunidade que sofre, deixando que o insulto se banalize e passe a ser um mero descritor de falta de lucidez política."
Acrescenta: "Recomendo ao Parlamento inteiro uma visita ao site da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo para começarem a dimensionar aquilo que têm estado a dizer."
Obrigado, cidadão Mário Crespo, pela chamada de atenção.
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