Tenho saudades de ser pequena em colos grandes. Tenho saudades de fugir de casa de triciclo. Tenho saudades de trepar aos telhados e de ser eu. Tenho saudades de me ralharem e me esconder atrás do meu cão. Tenho saudades de me darem beijinhos de boa noite e de jantar de pijama e cabelo molhado. Tenho saudades de acordar de madrugada para puxar o sol do sono demasiado longo para dias demasiado curtos, de comer laranjas tiradas das árvores e de passear entre trepadeiras e olhar as flores amarelas que fazem espirrar (dentes-de-leão?).
Tenho saudades de acordar com o meu irmão Francisco a tocar Beethoven e sentir as notas encostada ao piano, tenho saudades dos bolos de anos que a Mãe fazia (horas a fazer bonecos, nunca vi), tenho saudades de ir com o Pai cortar árvores de Natal pequeninas que pareciam enormes e de sacudir os presentes para perceber o que tinham dentro.
Tenho saudades de pedir licença para ver televisão, tenho saudades de ficar de castigo quando fazia asneiras, tenho saudades de apanhar com boladas dos meus irmãos, tenho saudades de chorar lágrimas pequeninas, que as grandes pesam muito e a força ficou lá atrás.
Tenho saudades de pessoas, tenho saudades de quem falta, de quem parte, de quem sabemos que não volta e de quem certamente voltará mas não está agora. Tenho saudades do mar e tenho saudades de saltar nas rochas e encontrar estrelas do mar e ouriços. Tenho saudades da areia grossa da Ericeira e tenho saudades dos meus sobrinhos bebés. Tenho saudades do meu filho quando crescer e tiver os filhos dele. Tenho saudades do passado, do presente e do futuro. De músicas e cheiros e vozes que não ouvirei nem sentirei mais. Tenho saudades de rir com a Catarina. Tenho saudades de guiar o Volkswagen do meu pai. Tenho saudades de tudo e de nada, porque não podemos ser íntegros nunca e ter em nós ao mesmo tempo todas as coisas que nos compõem sejam elas memórias ou desejos? Haverá maneira de saírem de si mesmas e regressarmos, em todas elas, sem faltar uma única, a nós?
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