sexta-feira, 11 de maio de 2007

O terceiro filho de Aurélio


Já vão longe os meus tempos de IADE. O meu percurso é um bocado para o esquizofrénico em termos de interesses. Mas tem como base a causa da COMUNICAÇÃO. O que é um bom punctum (se bem me recordo das aulas de Semiótica e dos escritos de Roland Barthes). Sempre que penso em fotografia penso em figuras de referência, andamos todos a precisar de heróis, eu preciso, com certeza.

A história da fotografia portuguesa está recheada de figuras discretas e interventivas, na arte e, pela arte, na sociedade. Um dos meus heróis é, assim, Aurélio da Paz dos Reis. Aurélio deixou escola, discreta como o seu percurso. Fotografou anónimos, trabalhadores, sofredores, pessoas, amigos, família, o seu jardim de que cuidava amorosamente. Também muitos acontecimentos públicos, dramas sociais, esteve ligado a movimentos maçónicos e republicanos. Olhares diversos, procurou o movimento e a vida, interveio pela imagem e pelo envolvimento com o outro lado da câmara, o duplo lado que vai encontrar o olhar do fotógrafo: quem é captado e quem vê e é seduzido.

O movimento era lento, pois que Aurélio não tinha imediatas condições tecnológicas para concretizar os seus sonhos e desejos. Mas acabou ser uma história cor-de-rosa, a sua tenacidade, as sequências e regularidades dos seus caminhos, levaram-no a ser o pioneiro do cinema em Portugal.

Hoje a fotografia já é considerada Licenciatura no nosso país. Foi uma batalha grande, considerada arte menor, arte complementar, informação ilustrativa e não válida por si mesma. Uma imagem diz mais que mil palavras? Não sei. Depende da imagem como depende certamente das palavras. Mas que é tão válida e tão forte é para mim uma certeza.

Em que se transformaram hoje a fotografia artística, o fotojornalismo de intervenção, o cinema documental português? É difícil fazer julgamentos, não me cabe a mim fazê-los. Mas algo me diz que em Portugal continuam a nascer e a formar-se bons amantes da imagem, dos que sabem do que andam à procura (leia-se, os que criam percursos harmónicos e com sentido).

Aurélio deixou-nos três preciosas dádivas: a esperança num mundo justo e afectuoso, a aplicação da arte à dignidade do trabalho e o cinema, a sua grande e persistente batalha pelo casamento das imagens e do tempo. Obrigado.

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