segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Crianças 2


Criança, eu, riscos assumidos, amizades eternas, palavras doces e memórias, vinda de colo de mãe e pai, conservados agora em amor e cuidados (quem cresce ou vive sem amor?). Saltar a cerca, passar o rio, correr para me apanharem, vivemos todos em jogos de gato e rato. E gostamos. Tinha um triciclo - possivelmente no sotão de casa dos meus pais - com uma campaínha, que tocava desalmadamente como se ao fugir de casa para longíssimo - tanto quanto pudesse pedalar até me apanharem - estivesse no Marquês de Pombal em hora de ponta...
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Caía, claro, na velocidade da fuga, por caminhos irregulares, por caminhos marginais, não perdi essa vertente, não que os caminhos laterais sejam necessariamente os verdadeiros, mas são, sempre, uma tentação. E uma criança nunca resiste a uma tentação.
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Caía também ao trepar a árvores que então me pareciam altíssimas, perto do céu, onde gostava de ler os meus livros, pensar nos meus sonhos, ver o mundo ao contrário, e obviamente, esfolar os joelhos, como todas as crianças que se prezam. Entre a repreensão da roupa rasgada e o beijo no dói-dói da filha minorca, havia sempre um colo aguardado com ânsia.
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Não caibo já no meu triciclo, mesmo que passasse a comer menos ainda, seria difícil. Trepar às árvores, como saltar as cercas, ainda são aventuras que agora partilho com filhos e sobrinhos. Aventuras de pequeninos que acreditam que valem bem umas esfoladelas e um puxão de orelhas pela adrenalina de viver.
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Afinal, fugimos para nos encontrarmos connosco e com os nossos sorrisos. Talvez, se tentar, ainda consiga encaixar no triciclo, desenferrujar a campaínha e passar mesmo no Marquês de Pombal, manifestação pela infância, viva e não melancólica. Os historiadores têm destas coisas, gostam de viver a vida plena enquanto estudam os mortos. E têm, geralmente, bom sentido de humor...

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