segunda-feira, 18 de abril de 2005

Tempo

Tempo não nos basta para as idas e vindas, contactos e trocas. Manter amizades, projectos, vida pessoal e profissional. Tempo falta-nos para as leituras que queremos iniciar e para que saboreamos terapeuticamente de quando em quando. Tempo escasseia para amar e para viver, para olhar para dentro de nós. para partilhar.
Muitas actividades que desenvolvo têm como base paixões, interesses, em áreas diversas. Todas elas, porque paixões são, requerem um investimento emocional fortíssimo. São por mim levadas a sério e vivenciadas como parte de mim. Com distância e com afectividade. É aqui que o tempo é inimigo.
Difícil será chegarmos à sabedoria de gerações anteriores, em que o tempo só era senhor no último respirar. Em que as crianças cresciam no seio das famílias e os colos e histórias da noite eram partilhadas com serenidade em ambiente são. Difícil será encararmos o trabalho como mais que subsistência, levarmos aprendizagens e acrescer conhecimentos, alargar os nossos horizontes de saber e de aspirar a saber.
Lewis Carroll criou o coelho apressado, que uma Alice despreocupada segue, aborrecida, sobrando-lhe tempo para se alienar de uma leitura maçuda que a irmã fazia. Passámos de curiosas Alices a apressados Coelhos Brancos.
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Hoje parei o meu dia e o meu tempo para conversar - verbo que vai sendo raro e que é conotado com "perder tempo", sobretudo em dias de trabalho. Conversei, pois, com um homem raro e bom, que me falou das suas obras recentes e da sua mãe de 92 anos. Que me transmitiu que trabalhava por objectivos e não tinha vergonha de seguir a pureza dos instintos e das afectividades. Esse homem ensina a sua arte e partilha-a de forma humilde com pessoas portadoras de deficiências marcantes. Área em que o tempo de comunicar se situa noutra dimensão. Aprendi hoje que o tempo não é ditador. Não nos empoeira os olhos nem os desejos. Não nos angustia se não deixarmos. Basta que a disciplina, a vontade, a persistência e a calma prevaleçam sobre o ritmo que nos é imposto.
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Vidas alternativas que se encontram com vidas diferentes. Aprendizagens feitas em tempos mortos entre tempos de corrida e no fim do dia constato que tive ainda tempo para sobre o dito escrever. Porque pode sempre acontecer que alguém leia e creia em mim e queira tentar seguir amanhã o meridiano que o bom senso ditar. Ou pelo menos, servirá para não me esquecer de um dia maior que os outros. Com mais sol.