domingo, 15 de junho de 2014

O primeiro mundial do resto da minha vida

Tenho memórias de muitos campeonatos do mundo de futebol, ou não tivesse eu já 48 anos. Provavalmente assisti a muitos jogos ainda bebé e ouvi muitos e bons comentários, bem observados e justos, porque os meus irmãos e o meu Pai sabiam ver jogos e sabiam comentar.
Tenho para mim, desde essas memórias inconscientes que o momento do grito é mesmo o do golo. No futebol não se tenta, faz-se. E é só o que se faz que se conta. É uma bela metáfora, este jogo tão britânico e tão corrompido de tudo em que os homens se empenham: também por aqui há dinheiro a mais e a menos, sobrando que da arte que devia preparar o concreto, pouco ressalta.
Gostei do empenho, até ao final, da eufórica Holanda. Gostei muito da luta e arte de futebol ao primeiro toque e poder de drible da Inglaterra que continua a ser um potentado junto dos outros meninos, por muito que sejam amiguinhos de Michel Platini. Gosto de inesperados, de valores, de surpresas que depois parecem óbias.
Gosto, e muito, da estética do futebol, gosto que seja um desporto muito fotografável, gosto que seja belo, que nele se apliquem as mais complexas leis da física aplicada, da cerveja e da pintura na cara. 
Mas cuidado: o futebol não é pão e circo. É um desporto com história, que se pode jogar na praia como num estádio construído pelo luxo supostamente comunista de Dilma. A soberba do Planalto e da FIFA são apenas o que sobra de uns dias de jogos belos de ver. Quem ficar, dirá.

terça-feira, 18 de março de 2014

Crisis, what crisis?

Temperados os meus dias com algumas situações pessoais que me fizeram viver durante quatro anos numa realidade quase paralela, acordo para telejornais e twitters de arrepiar de incoerência. Consulto pessoas amigas, lúcidas, conscientes. Apercebo-me da semelhança de todos os regimes em todas as épocas. Da constância de uma maioria inqualificada para ter opinião para além do rebanho. De uma maioria que se rende a uma minoria impositiva, sem ter a preocupação de se questionar, sejam quais forem as suas ideologias políticas, religiosas, sexuais, parentais, académicas... Sim, o futebol continua a ter as costas largas para quem é acusado de se evadir dos problemas reais (o mundo pára, realmente, quando joga o Benfica... e ainda bem) mas as notícias exacerbadas e as lágrimas descomprometidas de qualquer situação que, em minha consciência, julgaria privadas, como se justificam senão como alternativa a uma vida de revistas cor-de-rosa que não parece bem neste momento de suposta crise financeira geral, como manobras de diversão de uma situação política e financeira de gravidade real? Decorre metade desta crise da falta de informação que se revela nas taxas de abstenção das eleições mais recentes? Estará o acto democrático transferido do voto para o grito de rua e do conhecimento para o encolher de ombros?
É muito aborrecido constatar que o mundo é demasiado parado e que as pessoas não evoluem assim tanto. É muito incómodo traçar prioridades e ser justo nos julgamentos das situações. É dificílimo ter bom senso. Ou seja, em quatro anos, pouco ou nada mudou. E em quarenta?

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ilustrar o quotidiano


Trabalhando a Ilustração Portuguesa, revejo, em cem anos, que a instabilidade e a curiosidade continuam os grandes atractivos sociais para a comunicação escrita. Ora neva, ora há greve de comboios, ora temos nevoeiro em Lisboa, ora se casam políticos, Júlio Dantas editoriala e o povo - que é um pouco mais igual a si mesmo do que julga - lê.
Madame Brouillard adivinhou. O passado, o presente e o futuro confundem-se em processos sistémicos que nos afundam na certeza da prescrição que nos empurra marcialmente entre os arquivos de nós e a história que pensamos ser dos outros.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Dançar na linha fina do tempo que corre.

Dançam o vento e o sol, está frio, que inverno longo, que pouca vontade de sair, que vontade de voltar a mim, tanto que escrever e os dedos presos, a chávena quente parada a olhar-me, incrédula, a janela abafando os sons do mundo, eu, aqui, sem me querer ser.
Ligo o aquecedor e penso no verde que me cercava em pequena e que agora longe. Ao fundo da minha janela a luz aumenta e um pouco de mar, um pouco de serra, alguém que passa, o velho moínho que geme por mim.
As nuvens correm menos, agora e espero que o tempo modere nos relógios porque não consigo acertar o velho despertador do Pai e faz-me falta o tic tac certeiro que alinha pensamentos e objectivos, um tic tac quase cardíaco, seguro, sereno, suave.
Mudo dos óculos-de-ver-ao-perto para os óculos-de-ver-ao-longe. Passaram alguns anos desde as cabanas de juncos e Maître Corbeau e as rosas em braçadas e ser tudo natural como sorrir, escrever, pintar, tocar, ler, cozinhar, passear, conversar. A sequência que me trouxe hoje aqui, genética e mimética, acelerada e, porém, no compasso certo, e hoje, hoje, hoje mesmo, o dia em que não me aceito porque me faltam os produtos puros do resultado que sou.
Mais vento que sol outra vez. Revoltos como os meus sonhos, os juncos da casa de hoje sobre as memórias de ontem. E eu procuro dentro de quarenta anos os abraços que aqueceram e fizeram sorrir os dias de inverno de cada inverno que passei até este.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Regresso


Passaram três anos e está mais frio, faltam braços e berços, porém sementes espalhadas sabiamente, pensamentos ceifados ao vagar das lágrimas e das saudades, um levantar do chão lento e inseguro, passaram três anos, as mãos agarram as palavras, o corpo reergue-se sobre um passado recente agora desconhecido, olhado de longe, estranhado, como um mergulho no mar bravo, sem ar. 
O hoje provavelmente voltou. Talvez eu tenha voltado na maresia suave das palavras.