quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Ruído visual

Tenho estado desde o fim-de-semana a imprimir Braille. Para chegar aos dedos, a informação passa por estádios diversos, como uma esperança de sucesso...

Primeiro tem que ser tratada e adequada aos seus destinatários. Há descrições que podem e devem ser alargadas e específicas, sobretudo as que falarem das impressões visuais ou descreverem imagens anexas ao texto que acompanham. Há palavras a limar, há descrições visuais explicadas por metáforas também visuais que são redundantes e não têm qualquer significado. É apenas um saudável exercício de nos colocarmos no lugar do outro, aquele exercício de sair do nosso espacinho protegido e aprender a comunicar sem ser para nos vermos ou ouvirmos. É um reaprender a ser e a dizer mais completo, sem amarras ou subsídios à comunicação parcial ou em voga.

De resto, nada mais de complicado, excepto estar em linha de produção com três impressoras - uma produz o harmonioso ruído de 80 decibéis (nos dias de boa disposição). E unir texto em braille, imagens relevadas e cor, para que o conjunto - neste caso específico- posso ser do usufruto de grupos de pessoas com várias capacidades e incapacidades ligadas ao sentido da visão.

As palavras são manhosas: uma capacidade é uma potência, uma eficiência é um exercício. Usualmente não me perco pelo dicionário politicamente correcto, gosto de gastar o meu tempo por caminhos mais capazes, uso termos directos e relativamente consensuais quando falo de pessoas, mas sobretudo tento falar de pessoas e não dos seus olhos, pernas, braços. Porque a nossa identidade é composta mas ultrapassada pelas suas características.

Penso no barulho que uma das impressoras faz neste momento em que escrevo, a chamar-me para ir ordenar e encadernar os exemplares, revê-los (deve-se rever o Braille, de repente salta uma gralha, de repente salta uma misturada de códigos).

Ficam bonitos os livros de sentir...

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Quando as palavra são demais


Falam os olhos e as mãos também, e assim os caracóis soltos do cabelo, se for uma criança ou alguém muito puro que nos cai no colo e se cuida porque sim.

Quando não se fala é-se expressivo demais, pode-se chorar ou sorrir ou dar a mão. Com medo ou sem. O medo tempera a ansiedade, a calma chega depois, como um parar de respirar porque não é mais preciso.

A arte do silêncio e o romantismo que dela faz parte foram abandonados há muito. Nos primórdios do cinema, a mensagem era tão nítida que o mundo tinha contornos de tabuleiro de xadrez, exactos, os bons, os maus, o longe e o perto. Em décadas, o som invadiu as telas e as próprias imagens passaram a ser múltiplas e previsíveis.

De vez em quando temos dias surpresa que não sabemos donde chegam. A mensagem vem do espaço ou de perto, a origem não interessa, o mundo fica, de facto melhor. As princesas da cidade também passeiam livros de colorir sem legendas, a princesa Pixar anda a dar cartas.

Dias de rir e sorrir, de parar e silenciar, de recordar tradições, renovar infâncias e amar de manhã ao entardecer do dia, de beijar a lua por um quadradinho da cerca que saltamos quando queremos.

Somos do tamanho do que vemos e não da nossa altura. Em poucas palavras, explicam os poetas que queremos ser.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Hoje, o mar


Espero sempre em Agosto as grandes calmarias quentes, gosto de mar, gosto de quem gosta de mar, desejo sempre o mar verdadeiro, com ondas, com canções de longe, com rugidos que nos agarram. Esta manhã o mar estava feroz onde se esperava calma.

Têm sido uns dias agitados e noticiados, entre éticas e pragmáticas, desesperos e embates, raças e justiças, lembro uma entrevista de António Lobo Antunes à Ler+ do passado Maio, em que explicava porque se sentia incapaz de ser figura pública e falar de acontecimentos que não os seus, que a sua razão era só a do seu trabalho e o resto, opiniões pouco credíveis (citado de cor e mal, mas o sentido, para mim, foi este).

Está citado de cor e mal, mas parece-me bem, que eu não sou contra raças nem credos nem diferenças - até que trabalho diariamente com este último conceito - mas também não sou contra países nem contra desporto, apenas contra as pequenas e grandes hipocrisias do nosso mundo e da nossa sociedade globalizadora de gentes.

Olho para as células criticantes e analiso-as: famílias que gritam entre si em praias sujas, famílias que gritam entre si em centros para comerciar, crianças que se esquecem de olhar o mar e brigam por uma qualquer coisa dispensável à sobrevivência da poesia, crianças que exigem junto ao mar. Gente poderosa, os senhores do mundo, a brincar a um deus enraivecido que não existe a não ser em proveito próprio e comovemo-nos com quê (até a criança que en/cantou na abertura dos Jogos não era a pequenina que vimos, mas uma menos perfeita que ficou atrás de um microfone porque não era uma perfeita demo da sua raça).

Esta subversão do mundo é muito triste e o mar ruge proporcionalmente às nossas irracionalidades, interesses comezinhos, desumanidades. Basicamente o mar ruge ao egoísmo. Para que o ouçam e percebam que os outros se devem sempre ouvir. Sempre.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Para lá do óbvio

Os blogs portugueses são mais do que os que conhecemos. É disso que falo. Da nossa incapacidade para procurarmos mais além. Da nossa omissão em relação aos outros. E das nossas conclusões sobre um geral que não é geral, sobre uma humanidade conveniente.

Os bloggers trazem aos seus espaços as suas impressões e sentires sobre tudo ou sobre os nadas que importam. Leio com agrado muitos blogs, acompanho alguns fóruns de discussão e não gosto de sentir separações vãs. Existem blogs de texto e com um interface simples para ser ouvido por leitores de écran (o software que converte toda a informação acessível que é passível de visualizar no écran para output audio ou para linha braille). Esses blogs estão reunidos num portal que tem informações preciosas para aprendermos a lidar connosco mesmos (ou seja, também com o outro, o que é fundamental, se temos pretensão a humanidade).

Nos blogs do lerparaver fala-se tudo o que se fala nos blogs Blogger ou Wordpress. E é por isso que é importante tê-los em conta quando falamos de blogosfera portuguesa.

Quem não vê, lê com os ouvidos ou com a ponta dos dedos e, apesar dos ainda inúmeros preconceitos, está na vida de forma activa e participante. Não são os sentidos nem a sua ausência que fazem de nós pessoas estruturalmente diferentes. As pessoas são diferentes desde que existem. Felizmente e criativamente diferentes.

Ler para ver.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Cão que ladra!


... não morde, dizem, mas incomoda muito. Ladra o cão por razões várias e, também, por razão nenhuma. Porque lhe apetece, porque não tem mais que fazer. Para chamar a atenção ou o dono. Porque passou outro cão. Porque é de noite e ouviu um barulho.

Ladra-se, então, por medo e por coragem. Porque se quer dizer alguma coisa (mas o ladrar não é idioma, é mais tipo apelo). No caso do cão, apelo à comida ou às festas. No caso do cão sem tino, ladrar é mais tipo vocação, perdeu o tino porque perdeu o Norte. Mas não a voz.

Ladra-se porque se quer refilar ou com saudades que refilem connosco. Todos gostamos de ser orientados. É mais fácil que orientar. E bastante preferível a esperar. No fundo ladramos porque insatisfeitos com a ausência de adversários que nos animem ou com a falta de motivação em nós mesmos, ladramos sempre, sobretudo, porque não encontramos o que procuramos, mesmo que seja a paz que perdemos.

Todos os motivos externos são bons para ladrar. E ladra-se porque se sabe muito bem que não há razão nenhuma para morder.

O cão desta história existe no cantinho de nós, pelo menos de mim. Ouço-o ladrar quando tenho medo ou quando estou perdida, esquecendo-me que parte das vezes em que me perco é porque simplesmente não estou a olhar para onde devo. Ora se olhamos para os pés ou para o umbigo a perspectiva do caminho fica difícil...

Melhor ladrar quando o dono está que quando dorme. Porque as festas também se merecem. E a persistência e a atenção fazem parte de se ser feliz. Pelo menos, são as qualidades que nos encaminham. E para guiar, convém saber ser guia.