sábado, 25 de abril de 2009

Vejam bem!

Os dias são o que são. Este, para o melhor e para o pior, já é um feriado que significa dados adquiridos para a maior parte das crianças. Devem ter decorrido celebrações pelo país, mas estou a trabalhar e não dei por elas. Lembro-me e sinto de perto as mudanças que ocorreram de 1974 para cá, no entanto tento não aderir a discursos arrogantes nem a certezas absolutas, até porque absolutos são os ditadores e parece que foi disso que andámos a fugir.

Os dias são o que são. Em 2009 é dia de mandar os miúdos ir buscar uma pizza enquanto acabo de trabalhar. Considerando que comecei às 7:30 da manhã, já devo ter cumprido a minha obrigação.

Vejam bem, que de 74 para 09 o tempo passou tanto que tive dois filhos e moro numa casa mais pequena, com mais outras tantas por baixo e por cima, num terreiro onde os espaços cultivados vão sendo derrubados para construir hipermercados em que as pessoas compram telefones e computadores como eu não comprava pastilhas em miúda.

Vejam bem, que a censura sempre esteve presente e sempre continuará a estar, apenas tomando outras formas. Que os políticos continuam a não dar contas ao povo. Que ainda temos portugueses em guerras estranhas. Que as mulheres e os homens não são tratados de igual forma no trabalho. Que as pessoas diferentes são mais estranhadas que entranhadas socialmente. Que há privilegiados.

Vejam bem, que a malta ainda sonha em mudar o mundo, enquanto aterra devagarinho na idade dos conformismos, faz mais ioga e menos futebol, manda calar os filhos e se lamenta que "já não há respeito".

Vejam bem, que a única coisa diferente somos nós, em tantos anos, em tantos anos...

Vejam bem...

domingo, 19 de abril de 2009

Suite nº 3 + 2

É difícil executar o prelúdio da suite nº 3 para violoncelo de Bach, sobretudo pela utilzação do polegar esquerdo nas cordas. Rostropovitch desapareceu há quase dois anos. Hoje estou numa de música. Ainda bem que há Youtube, até porque o artista da casa já foi descansar...





Referentes

É uma espécie de linha em que nos deslocamos, da qual nos descolamos quando nos afastamos de nós mesmos e queremos ser outros, sobre a qual passarinhamos quando bem dispostos ou na qual nos despenhamos e desintegramos quando nos queremos soltar.

Não é possível viver sem referentes como é impossível escrever sem suporte ou conteúdo ou as duas coisas. Claro que as algemas angustiam e magoam e violentam, mas pelo menos estamos presos a algo e não no vácuo onde, até à data, ainda não se provou haver vida emocional.

Convém, aprender a andar com fios, e ter consciência que não somos mais nem menos manipulados por isso.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Miquette e a Internette

Ouvi estas histórias em pequena, pequena mesmo, ouvi-as no original, lembrava-me vagamente dos desenhos. Hoje li-as eu à minha Mãe, que as arrumava e recompunha, uma bela colecção de livrinhos, de gravuras deliciosas e vocabulário cuidado. Fiz de olhos e a Mãe, na verdade, é que contou a história, que os olhos têm-na traído demais nos últimos tempos, a memória menos.

Como sempre que regresso do colo da minha Mãe, cheguei a casa a pensá-la, a admirar a doçura da sua gestão de memórias, a sua capacidade para se deslumbrar eternamente com as mesmas coisas desde os quatro anos. Pois se são belas!

Não tenho aquelas histórias na minha cabeceira para reler quando me deitar, mas encontrei-as por aqui. Disponíveis, acessíveis (entenda-se, audíveis) e apreciáveis. A que está linkada é muito curiosa, actual - pois que pouco muda o mundo - e permite extrapolações anárquicas sobre o mundo ocidental contemporâneo. Ou podemos apenas ver os bonecos...

Bonne nuit.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Em fuga


Lá estava ele, a colorir insistentemente, irritantemente, a minha manhã. Vindo de alguma lágrima e do ouro de uma gargalhada, saltava do trânsito para o céu, teimosamente radiante. Ainda tentei fotografá-lo, histérica, desesperada, entre cada pára-arranca do eixo norte-sul. Impossível. O pote de ouro acredito que exista no fim. Mas o caminho do arco-íris não se consegue capturar.

domingo, 12 de abril de 2009

Caça aos chocolates

Desde manhã à procura de sorrisos, foi um dia feriado com bastante trabalho, encontrar os meus pintaínhos onde eles se escondem, atrás de um sorriso forçado, num silêncio, no isolamento, no discurso que se sente estranho.

Em todas as idades somos equilibristas, procuramos os nossos chocolates na alma dos outros, os nossos doces são, realmente, os afectos, este dia foi uma corrida e o pensamento ainda me leva dianteira, os 42 anos pesam.

O meu cabrito de Páscoa foi um pato, o folar foi doce de morangos, os ovos estavam no frigorífico, muito obrigado, outros foram comidos dias antes e alguns da Kinder alegraram as crianças que já não o são.

A Páscoa era muito marcante na minha infância. Agora a infância fugiu-me e cuido dos que me cuidavam o melhor que posso, o melhor que posso, apenas. Que eles ainda me cuidam. Gosto de ver os bebés que carreguei a crescer e a escrever introduções de teses, a falar em Erasmus, a tirar cartas de condução e a ficarem quase todos mais altos que eu. Os que amo e com quem não estive fizeram-me falta, não porque seja purista destes dias simbólicos mas porque realmente os amo e gostaria de ter estado com todos, com todos.

Mas ouvi um riso de bebé e palavras doces pelo telefone. Escrevo agora a pensar neles desejando encontrar os chocolates que não tive hoje nos dias mais próximos. Nos nomes em que penso. Qualquer que seja a grafia.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Azul

Quando era menina e me aborrecia durante as tardes demasiado doces, perdida na ternura de me sentir crescer sem saber, encontrei um livro que pertencia a minha irmã e se chamava "Qual é a cor do amor?". Era um livro daqueles que os namorados oferecem quando qualquer sorriso é a vida e se desespera pelo sorriso seguinte. Por isso mesmo não o devia ter lido, não fora eu menina traquinas e buscadora de palavras em tardes aborrecentes, como Alice. Aquele livro tinha bonecos que pertenciam a uma felicidade que eu ainda não descobrira e achei o enredo pobre e confuso, as perguntas patéticas. Escrevi, doutoral, a minha resposta na última página: "Azul".

Minha irmã zangou-se por eu ter escrito no livro, por o livro ser seu, por eu não entender nada. Minha irmã perdoou-me porque eu chorei, mais por não perceber esse amor que eu não sabia ainda que por ter escrito uma coisa muito séria num livro demasiado infantil para a minha pequenez.

As irmãs mais velhas são assim. Doces e perdoativas, tolerantes e sábias. Sobretudo em tardes de abraços, trinta anos mais tarde, quando continuamos a ser diferentes, eu continuo a escrever nos livros, a ter a certeza que o amor é azul da cor do céu e ela a compreender-me.