quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Na proporção exacta...

Chá de limão e gengibre, chuva torrencial, calor humano e uma árvore de Natal. Um bebé no colo, um bebé a sorrir. Um bule com bonecos e um quadro com giz para escrever tantas coisas importantes que só cabem num quadro seguro por um coelho do País das Maravilhas. Coisas importantes...

A viagem foi perigosa, as viagens de regresso do País das Maravilhas são sempre assim, assustadoras, como um filme em 3D, a chuva teima ainda em entrar pelo meu quadro dentro e apagar a lista que o coelho insiste em fazer.

Coisas importantes: ter um abrigo e mais ainda um colo.

Coisas importantes: ter amor e mais ainda, ou igualmente, amigos.

Coisas importantes: sentir o paraíso num sabor novo, em dias velhos, em locais familiares, sentir que as coisas verdadeiramente importantes como o quente de um bebé no colo e o sorriso verdadeiro que abre o futuro por sobre a chuva e por sobre o medo que os crescidos têm a mania de ter.

Fundamental é mesmo o amor.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Um conto de Natal

Num dia intenso em que o frio se fez sentir mais por fora do casaco que no coração e a chuva lembrou um pizzicato infantil tocado em ginásio de escola, tive o privilégio de estar com muitas pessoas que amo. Quase todas.

Nunca estamos com todas as pessoas que amamos. E o Natal é uma época estranha e melancólica, se fosse música seria meio Requiem meio Rock. Em palavras, procurei Novelas do Minho e reencontrei um belo texto que fala de inocência e ausência, signos que deixaram, talvez, de fazer sentido para quem optou pela via do grande consumo.

Por outro lado, o facto de aderir a uma festa que é religiosa por origem e solidária por civilidade, não significa necessariamente que o mundo esteja cheio de Scrooges sem noção do Natal Futuro e sem consciência dos verdadeiros heroísmos do amor.

Hoje tive tempo para muitas pessoas que eu amo. Hoje fui mimada e privilegiada de forma invulgar por pessoas invulgares, quer por via electrónica, quer por telefone, quer pessoalmente (nada como o colo de um irmão para nos fazer sentir adoçados e preenchidos por muito que a vida nos vá tirando presenças em cada ano que passa).

Hoje foi igualmente um dia especial para um amigo. Como amanhã vai ser um dia especial para outro. Porque o Charles Dickens que eu responsabilizava em criança pelas misérias publicitadas de uma Londres industrializada também era o que escrevia diálogos de conciliação. Porque numa guerra nunca morrem milhares de pessoas. Porque nunca se deve generalizar. Porque nunca se deve dizer nunca, como acabei de fazer. Porque queria agora as gotas de chuva na cara, as da hora do almoço, a caminho de casa dos meus pais, que caminham há muito mais tempo que eu e que já perceberam muito melhor que esta história de festas de final de ano são apenas constatações de paragens de comboios em plataformas alucinantes em que ganhamos e perdemos companhias preciosas. Por vezes, companhias de um dia só.

Tenho sono e parece que já começou o dia seguinte. As gotas de chuva voltarão a adoçar o sal que me toca raramente. Só naqueles dias em que a consciência das ausências dos que gostaria de mimar e não posso é mais profunda. As gotas de chuva voltarão. E trarão com elas, certamente, como desde o princípio do mundo, um arco-íris.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Tempo de silêncio, tempo de mudança.

Não me escorrega a pena para a lírica camoniana que tanto trabalho dá ao meu filho. Até porque tempos de mudança são dificeis e dão trabalho a gerir. Mudança de actividade ou de ritmo, mudança das caras que vemos todos os dias, porque uns partem e outros chegam, um dia disse-me um amigo que tinha perdido uma filha que era tipo autocarro cheio, a palerma da vida, e saem sempre as pessoas que nos apetece abraçar.

Hoje estou constipada - espero que não venha aí o triunfo dos porcos, sinceramente, tenho muito trabalho a fazer - e tenho alguns amigos em casa com crianças doentes. O tempo deste Outono invernoso vai ser longo e espero pelos raios do sol breves e mornos da Primavera para que tudo isto acabe, as mudanças, as doenças, que toda a gente volte aos seus sítios, perto, ao colo, onde queremos os amigos.

Tem sido uma semana de silêncio. Gosto de silêncio quando preciso de calma e de reflectir, coisa que desde domingo não tinha calma para fazer e agora penso em todas as pessoas e em todos os projectos e em todos os livros para ler e a inscrição para acabar e - ai - o silêncio é difícil quando tantas coisas a gritarem cá dentro para corrermos.

Vou fazer um chá de cidreira e mel. Dizem que faz bem e aquece a alma. Mesmo no silêncio, para além dele.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Regresso

Um verão é uma espécie de bolo por arrefecer, uma tentação numa cozinha de mãe ou coisa assim, um festejo descansativo, um mar que arrepia, uma expectativa.

Não escrevi no meu verão. Estive alegre, umas vezes, triste, outras. Talvez mais alegre por fora e triste por dentro. Porém, os amigos, esse nosso em-redor do coração que aquece sem a falsidade do verao que se espera todos os anos e não chega.

Um verão nunca chega para nada. Verão os que esperam, se lhes chegou para alguma coisa senão para agravar as dores e mudar as cores para rodas de pastas de escola e lápis bonitos por estrear. Os gatos gostam mais do outono, o que é sempre agradável.

Agora volto. Tenho a minha sala de visitas por aqui. Hoje estou cansada. Podemos mudar a nossa vida todos os dias. Como uma Alice que vire ou parta ou inverta o espelho.

Defendi o meu projecto de tese. Tive 17. Escrevi que um espelho é uma máquina de ver as pessoas em relevo, para quem vê. Parece que não gostaram de ler. Foi um senhor cego que escreveu isto no século XVIII. No outro dia o meu filho perguntou-me com quem gostaria de falar, do passado. Talvez com Diderot:


"A natureza só fez uma quantidade muito pequena de seres, que variou ao infinito, talvez um só por cujas combinação, mistura, dissolução todos os outros foram formados."

Diderot, Éléments de physiologie.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

quarta-feira, 8 de julho de 2009

domingo, 5 de julho de 2009

Dias vazios

São aqueles em que o mundo está prenhe de nada e faz um frio por dentro que desanima de forma persistente. A escrita de nós é escassa e dolorosa. Pedimos um nascer do sol que não chega, o escuro é envolvente, o silêncio pesado. Dias vazios são dias vazios de objectivos, ou apenas com os pragmáticos de sobrevivência. São aqueles dias nus em que todos saíram para um lado qualquer e nos deixaram a sufocar por alguma razão sem dar importância aos gritos surdos. Dias vazios são os que se esvaziam docemente, com paternalismo pela nossa dor, são os que vão embora de mansinho porque não acreditam que depois de tudo tão vazio não iremos regressar a nós mesmos. Nem mesmo poderemos ter o desejo de querer um dia novo. Mais nada vazio, mais nada. Não quero mais nada vazio de mim.

domingo, 28 de junho de 2009

Disseram-te um dia, Rita...

Disseram-me um dia, Rita, põe-te em guarda
aviso-te, a vida é dura, põe-te em guarda
cerra os dois punhos e andou, põe-te em guarda
e eu disse adeus à desdita
e lancei mãos à aventura
e ainda aqui está quem falou

Sérgio Godinho


Por hábito, não vejo televisão em directo. É mesmo muito raro. Faço um zapping pecaminoso e acabo pendurada em sopas de humor cansado ou no canal dos bebés, a ouvir uma música hipótica acompanhada por pinguins que dão beijos de boa noite. Os telejornais, confesso, cansam-me. Gosto mais de ser eu a observar o mundo com os meus olhos.

Nos idos de 2001 trabalhava pela SIC, numa das minhas incursões em áreas diversas do mundo do trabalho. Aprendi a trabalhar num arquivo de imagem em movimento (sendo que a dita só tem movimento na vida real, a televisão é uma mentira óptica produzida e maquilhada com qualidade digital e fraco argumento. No entanto, tive o prazer de conhecer o Edgar, e por um amigo como ele trabalharia um ano em qualquer antro. Conheci ainda outros profissionais, que admirei, cujo trabalho me fez pensar e mudar a minha visão do mundo. Pessoas que viajavam profissionalmente pelo mundo dos outros, pelo mundo de fora e pelo mundo de dentro. Louvei e louvo o profissionalsmo de Joaquim Franco, Carlos Narciso, Mário Crespo e Mário Augusto.

Deste último chegou hoje uma reportagem, a que se vincula do ponto de vista pessoal e profissional, que aguardei com expectativa, que divulguei, que agradeci de imediato.

Humor doce, enredo sedutor, tema pertinente, argumentos informados e inteligentes. Perfeita. Com muitas Ritas, valorosas Ritas.





Até sempre, Mário Augusto. Obrigado por o lembrar.

domingo, 21 de junho de 2009

Summer stress

Descrição da imagem: Quadradinhos de Calvin e Hobbes, a brincar a muitas actividades de verão e a chegar cansados ao fim do dia, comentando: estes dias longos não nos deixam fazer nem metade das brincadeiras habituais...

sábado, 13 de junho de 2009

Depois da festa...

Voltaram as nuvens, o que me incomoda. A ausência de luz natural deprime-me e as artificiais baralham-me. Depois, claro, as pessoas em percursos histéricos, sem norte, por todo o lado. Ontem o barulho das festas e as mesas que tiraram da esplanada, a Cinemateca fechada, um Santo António amachucado numa carrinha. Engraçados os mangericos, apenas, sem versos, sóbrios mangericos republicanos. Coca-cola com limão e licor de amora.

Hoje o trabalho de convencer alguém que o pássaro Dodo existe nas histórias de Carroll e que a imaginação morreu quando emergiu a autoridade moderna.

Morreu?

Twit...

sexta-feira, 12 de junho de 2009

É uma Festa!


Sardinhas que marcham estilizadas pela blogosfera e agendas culturais e que me parecem muito mais criativas que as que pingam o molho da tradição. Graça de João Maio Pinto, no Junho do nosso contentamento.

Entretanto, lembraram-me uma incoerência da nossa portugalidade: renegar António por Valentim, que casa menos e comercia mais. Nas Américas que falam português com açúcar é Antônio e as suas Festas Juninas. Valentim que se quede mais a Norte.

De qualquer forma é feriado, numa semana pródiga em sol desde ontem, e as sardinhas, Senhor, têm espinhas a mais excepto nos desenhos lindos, que abençoam, de facto, os patrocinadores.

Muito bom e divertido. Como tudo o que nos salte da monotonia.

domingo, 7 de junho de 2009

Tantas histórias quantas perguntas.


Um dos espectáculos mais fortes a que já assisti, visto ontem à noite, com amigos. Ainda está hoje em cena. Vão à vossa procura, depressa. É urgente ouvir este texto nestes olhares. O sol não existe e, se nós quisermos, não ficaremos paralisados pelo saber.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

segunda-feira, 1 de junho de 2009

domingo, 24 de maio de 2009

Os nossos amigos e o tempo do hoje

Hoje tive tempo, hoje tomei o café da manhã com uma grande amiga. Programo agora a minha semana e, enquanto o tempo descansa - também o tempo descansa ao fim-de-semana - aproveito para o ludibriar e contornar, estabelecendo rotinas libertárias que me conduzirão a casa de amigos que me têm sido roubados pelo tempo de investigação e aulas e projectos. Não nos devemos deixar escravizar por nós mesmos.

Dado que os amigos são uma componente importantíssima, fundamental, da nossa identidade, e que a minha identidade é a das pessoas reais, não ficcionadas, diversas, de sorrisos diferentes e escrita múltipla, de diversos tons e projecção de voz, algumas sem voz audível, algumas com ouvido muito para lá da voz que quero dar a entender como alegre ou imune às tristezas, essa dimensão que tentamos desesperadamente esconder de quem amamos, será uma semana particularmente doce e invasiva, em que os amigos, como o melhor espelho de mim, me devolverão certamente o sorriso empenhado às rotinas impostas, nunca às escolhidas.

Penso no facebook e na preversidade das suas teias, das pessoas que têm amigos por castas ou ideologias, das pessoas que cultivam um dado conceito de amigo, o amigo igual a nós, o amigo seguro, o amigo que não nos questiona. Penso nas suas rotinas cinzentas e no seu convívio social semelhante a um soporífero forte, que não lhes permite sair de si, completar-se, voltar a si.

A nossa vida é um processo de auto-conhecimento. Onde ficaremos, quem seremos, se não nos confrontarmos com o exterior de nós, com os nossos limites? O tempo do hoje é o tempo do diferente que nos faz progredir e reencontrar. O tempo do hoje é o tempo da diversidade necessária, urgente, democrática, humana, fundamental.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

sexta-feira, 15 de maio de 2009

...


Além de um belíssimo filme e de uma viagem aos Países Baixos, este quadro faz-me pensar na necessidade que temos de silêncio quando ele é mais necessário. E no oposto.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Num instante

Num instante passaram 30 anos, porque há pouquinho tinha 13 e vinha de autocarro do Campo Grande com a minha amiga Teresa, que morava uns números de porta abaixo da dos meus pais. Agora a Teresa é médica e o pai dela velhinho, velhinho, arrasta-se pelas Avenidas Novas como uma multidão de velhinhos cada dia mais escassos, fora os que ficam em casa porque o frio os entristece e leva para onde não se tem nome.

Num instante deixei de me preocupar com o meu primeiro beijo e passei a pensar a cada um se seria o último, num instante passei a pensar no primeiro e no segundo e no terceiro beijos do meu filho. Num instante fiquei mãe, a mãe que foi e a que nunca será, sempre tudo para sempre.

Num instante o curso e os trabalhos na faculdade, os primeiros ordenados, a independência - achamos nós, a independência... - num instante também o outro curso e a fotografia e o mestrado em Portalegre e o E-Qual e o curso de Gestual e dar aulas e aprender Braille e mais fotografias e 25 GB de backups que fiz hoje de manhã para um disco externo (o meu primeiro disco tinha 20 Mb e duas partições). Num instante algumas viagens em que acho que o avião andou sempre no ar, Funchal, Porto Santo, São Miguel, Santa Maria, Amsterdão, Madrid, Paris, Frankfurt sempre em passagem, o Macau onde nunca fui, o Macau que sempre vi em espelho.

As músicas todas num instante, os presentes de anos, os beijos de anos, os amigos que ontem me congratularam e se congratularam comigo, os amigos velhíssimos de 30 anos e os outros, a família de toda a vida, as memórias fotográficas, as fotografias que nunca tirei, as que rasguei, a que conservo, as que desejo, as que lamento. Todos, todos: Francisco, Luísa, Inês, João, Helena, Elsa, Susana, Rui, Teresa, Carla, Carlos, Nuno, Pedro, Ana, Ricardo, Manuel, Mãe, Pai, Manos, Ana e Tiago, Sara e António, os pequeninos, sempre os pequeninos.

Um instante e Citizen Mary, blogs antes e depois e durante mas sempre Citizen Mary, a imagem da Mafalda e agora a Mary, as frases, as brincadeiras, as fases dos concursos, as fases da interacção, os comentários, agora um presente de anos, uma matrícula, Citizen Mary 66 05. Gostei.

Um matrícula quer dizer uma identidade. Com data. Com estrelas. O que serei, com 43 anos? Os livros em torno lembram-me a tese que finjo escrever, outro livro, o livro que li hoje sobre um pai com dois filhos deficientes e um humor que identifica como negro e que me parece inteligente. Um livro num saco da FNAC pela mão de amigos. Um outro livro comprado por mim, Potência de Existir, que leio aconselhada, que leio com admiração. A Mitologia que adoro e que vou ler um bocadinho todas as noites porque não é esmagadora nem europocêntrica, um outro livro muito bem concebido, muito bonito, escolhido com amizade. Gosto de livros.

Num instante e terei lido este e terei talvez 64 anos, talvez seja avó, talvez estude ainda, talvez mais pessoas da lista anterior ou eu mesma no frio e já sem estudar, a conversar no frio com os amigos que lá esperam, Nós que aqui estamos, penso no filme, penso em Évora, penso nos meus projectos e no tempo que não tenho para os fazer, penso que não mudarei o mundo como gostaria nem lhe conseguirei fugir por muito que pedale no meu triciclo há 40 anos, com três anos, a Citizen Mary que pedalava e trepava às árvores, com livros na sacola, a Mary que se espantava com o mundo, que estranhava os outros que lhe pareciam todos Aliens deformados e gigantes, o mundo agitava-se e eu não sabia, agora talvez mais parado ou fui eu que cresci e ninguém me informou.

Tenho 43 anos, um filho, uma família de parentes e amigos, uma colecção de ausências, uma colecção de desejos. Um blog para preencher. Um doutoramento para fazer. Um livro para ler. Começo: "Préface".

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Cerca de uma segunda-feira qualquer

Choveu muito de manhã e um dos discos do meu computador desatinou. Tenho um porco e um peixe anti-stress, mas não me ajudaram muito. De qualquer forma, os textos andam trabalhados e as leituras atrasadas como manda o stress que rege as teses de ciências ocultas. Tive boas e más notícias da blogosfera, parece que o teste de matemática do meu filho correu bem, amanhã não sei como vai ser o meu dia e gostava de deixar de fumar mais uma vez, just for fun.

Há semanas que não entram na alma de ninguém.

domingo, 3 de maio de 2009

Regressos de Olivença à Rua dos Douradores

Custa o percurso, não me chegará a noite para o convencimento do madrugar nem a disciplina para cumprir tudo o aprazado para a manhã do dia que se segue a este. Da Olivença deles para a minha, amanhã talvez mais abençoada pelo anjo Gabriel das comunicações acessíveis, a coragem dispersa-se demais entre o que o foi e o que um dia será, como na lenda do Rei que jantava em camilhas com os seus amigos.

Quando nos rimos amargamente de uma chegada é sinal que os dias foram importantes. Claro que me faltam agora as estradas rápidas e a dor do trigo a passar por mim cheio de pressa, as cegonhas a negarem a pose, as andorinhas a gritar a Primavera que faltava em Lisboa e os horizontes mais largos que as fronteiras dos homens.

Levei o Tempo Perdido para reler e perdi o tempo de ler exactamente um capítulo, o que deve ser bom sinal. As memórias de Proust, construímo-las nós. Sensoriais. Fotográficas. Saboreadas como as madalenas no chá da mamã...

Porque é uma obra muitas vezes mencionada como grande e elitista, porque a considero bela e reconhecedora no homem na arte e reveladora das memórias sensoriais como as únicas afectivas, acrescento este post com uma informação adicional de quem caminhou nestes caminhos mais que eu. É bom conhecer um pouquinho melhor o que criticamos ou sobre que falamos, a fim de cumprirmos o mais sábio pedido do grande Ruben A. : "não façam a cultura chata". Ou seja, não desistam de se procurar, e apenas a vós mesmos, em tudo o que vos é dado usufruir, o que é a minha interpretação absolutamente sensorial, ilógica, emocional, curiosa, procurante... (08:50 de 4 de Maio)

sábado, 25 de abril de 2009

Vejam bem!

Os dias são o que são. Este, para o melhor e para o pior, já é um feriado que significa dados adquiridos para a maior parte das crianças. Devem ter decorrido celebrações pelo país, mas estou a trabalhar e não dei por elas. Lembro-me e sinto de perto as mudanças que ocorreram de 1974 para cá, no entanto tento não aderir a discursos arrogantes nem a certezas absolutas, até porque absolutos são os ditadores e parece que foi disso que andámos a fugir.

Os dias são o que são. Em 2009 é dia de mandar os miúdos ir buscar uma pizza enquanto acabo de trabalhar. Considerando que comecei às 7:30 da manhã, já devo ter cumprido a minha obrigação.

Vejam bem, que de 74 para 09 o tempo passou tanto que tive dois filhos e moro numa casa mais pequena, com mais outras tantas por baixo e por cima, num terreiro onde os espaços cultivados vão sendo derrubados para construir hipermercados em que as pessoas compram telefones e computadores como eu não comprava pastilhas em miúda.

Vejam bem, que a censura sempre esteve presente e sempre continuará a estar, apenas tomando outras formas. Que os políticos continuam a não dar contas ao povo. Que ainda temos portugueses em guerras estranhas. Que as mulheres e os homens não são tratados de igual forma no trabalho. Que as pessoas diferentes são mais estranhadas que entranhadas socialmente. Que há privilegiados.

Vejam bem, que a malta ainda sonha em mudar o mundo, enquanto aterra devagarinho na idade dos conformismos, faz mais ioga e menos futebol, manda calar os filhos e se lamenta que "já não há respeito".

Vejam bem, que a única coisa diferente somos nós, em tantos anos, em tantos anos...

Vejam bem...

domingo, 19 de abril de 2009

Suite nº 3 + 2

É difícil executar o prelúdio da suite nº 3 para violoncelo de Bach, sobretudo pela utilzação do polegar esquerdo nas cordas. Rostropovitch desapareceu há quase dois anos. Hoje estou numa de música. Ainda bem que há Youtube, até porque o artista da casa já foi descansar...





Referentes

É uma espécie de linha em que nos deslocamos, da qual nos descolamos quando nos afastamos de nós mesmos e queremos ser outros, sobre a qual passarinhamos quando bem dispostos ou na qual nos despenhamos e desintegramos quando nos queremos soltar.

Não é possível viver sem referentes como é impossível escrever sem suporte ou conteúdo ou as duas coisas. Claro que as algemas angustiam e magoam e violentam, mas pelo menos estamos presos a algo e não no vácuo onde, até à data, ainda não se provou haver vida emocional.

Convém, aprender a andar com fios, e ter consciência que não somos mais nem menos manipulados por isso.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Miquette e a Internette

Ouvi estas histórias em pequena, pequena mesmo, ouvi-as no original, lembrava-me vagamente dos desenhos. Hoje li-as eu à minha Mãe, que as arrumava e recompunha, uma bela colecção de livrinhos, de gravuras deliciosas e vocabulário cuidado. Fiz de olhos e a Mãe, na verdade, é que contou a história, que os olhos têm-na traído demais nos últimos tempos, a memória menos.

Como sempre que regresso do colo da minha Mãe, cheguei a casa a pensá-la, a admirar a doçura da sua gestão de memórias, a sua capacidade para se deslumbrar eternamente com as mesmas coisas desde os quatro anos. Pois se são belas!

Não tenho aquelas histórias na minha cabeceira para reler quando me deitar, mas encontrei-as por aqui. Disponíveis, acessíveis (entenda-se, audíveis) e apreciáveis. A que está linkada é muito curiosa, actual - pois que pouco muda o mundo - e permite extrapolações anárquicas sobre o mundo ocidental contemporâneo. Ou podemos apenas ver os bonecos...

Bonne nuit.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Em fuga


Lá estava ele, a colorir insistentemente, irritantemente, a minha manhã. Vindo de alguma lágrima e do ouro de uma gargalhada, saltava do trânsito para o céu, teimosamente radiante. Ainda tentei fotografá-lo, histérica, desesperada, entre cada pára-arranca do eixo norte-sul. Impossível. O pote de ouro acredito que exista no fim. Mas o caminho do arco-íris não se consegue capturar.

domingo, 12 de abril de 2009

Caça aos chocolates

Desde manhã à procura de sorrisos, foi um dia feriado com bastante trabalho, encontrar os meus pintaínhos onde eles se escondem, atrás de um sorriso forçado, num silêncio, no isolamento, no discurso que se sente estranho.

Em todas as idades somos equilibristas, procuramos os nossos chocolates na alma dos outros, os nossos doces são, realmente, os afectos, este dia foi uma corrida e o pensamento ainda me leva dianteira, os 42 anos pesam.

O meu cabrito de Páscoa foi um pato, o folar foi doce de morangos, os ovos estavam no frigorífico, muito obrigado, outros foram comidos dias antes e alguns da Kinder alegraram as crianças que já não o são.

A Páscoa era muito marcante na minha infância. Agora a infância fugiu-me e cuido dos que me cuidavam o melhor que posso, o melhor que posso, apenas. Que eles ainda me cuidam. Gosto de ver os bebés que carreguei a crescer e a escrever introduções de teses, a falar em Erasmus, a tirar cartas de condução e a ficarem quase todos mais altos que eu. Os que amo e com quem não estive fizeram-me falta, não porque seja purista destes dias simbólicos mas porque realmente os amo e gostaria de ter estado com todos, com todos.

Mas ouvi um riso de bebé e palavras doces pelo telefone. Escrevo agora a pensar neles desejando encontrar os chocolates que não tive hoje nos dias mais próximos. Nos nomes em que penso. Qualquer que seja a grafia.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Azul

Quando era menina e me aborrecia durante as tardes demasiado doces, perdida na ternura de me sentir crescer sem saber, encontrei um livro que pertencia a minha irmã e se chamava "Qual é a cor do amor?". Era um livro daqueles que os namorados oferecem quando qualquer sorriso é a vida e se desespera pelo sorriso seguinte. Por isso mesmo não o devia ter lido, não fora eu menina traquinas e buscadora de palavras em tardes aborrecentes, como Alice. Aquele livro tinha bonecos que pertenciam a uma felicidade que eu ainda não descobrira e achei o enredo pobre e confuso, as perguntas patéticas. Escrevi, doutoral, a minha resposta na última página: "Azul".

Minha irmã zangou-se por eu ter escrito no livro, por o livro ser seu, por eu não entender nada. Minha irmã perdoou-me porque eu chorei, mais por não perceber esse amor que eu não sabia ainda que por ter escrito uma coisa muito séria num livro demasiado infantil para a minha pequenez.

As irmãs mais velhas são assim. Doces e perdoativas, tolerantes e sábias. Sobretudo em tardes de abraços, trinta anos mais tarde, quando continuamos a ser diferentes, eu continuo a escrever nos livros, a ter a certeza que o amor é azul da cor do céu e ela a compreender-me.

domingo, 15 de março de 2009

Tenho que ir às compras





















Com lista. Derrubaram a quintinha nas traseiras da minha casa. Agora vejo como se fosse mais crescida, isto é, o mundo pequeno de repente e eu sem vontade nenhuma de o descobrir a microscópio. Gostava bem mais da quintinha com os memés e o casal que tratava as paisagens de hortaliça fresca e caiava todos os anos o muro de branco e caracóis. Agora vejo os hipers em pano de fundo lembrando-me logo que acordo que, por muito que gostasse de gastar as minhas poupanças em livros, terei que investir em bifes, cereais e sal para a máquina (?).

A nossa passagem do estado primitivo ao estado adulto tem destas coisas. Basicamente perde-se humanidade. Banky continua genial. Darwin, por seu lado, já era. Evoluir é passar a receber umas folhas que se chamam Dica da Semana para ter objectivos?

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Hermeneutiquemos

"No meu reino apenas palavras provisórias"
António José Forte, Uma Faca nos Dentes



Escapar às garras do discurso pátrio é obra para uma vida de muito trabalho.

Não existe, não tem sentido, não é oportuno, inventar palavras é maligno. O estado regula o casamento entre cada um de nós e o seu léxico, mais que com a sua circunstância sexual.

Dizer é viver, em suma, e dizemos cada vez menos.

Volto a Diderot e à centralidade do conhecimento. No grande século XVIII como no rápido século XX, de vez em quando, alguns hermeneuticadores irreverentes diziam coisas belas e terríveis.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009