sábado, 23 de setembro de 2006

Sobre um país desconhecido e tão próximo

The undiscover'd country from whose bourn
No traveller returns, puzzles the will
And makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of...
W. Shakespeare

A morte, estuda-se - sou de história -, aprende-se - todos os que estão vivos já perderam ou perderão alguém pelo caminho -, vê-se e cheira-se - as flores em toneladas, a terra remexida, os restos de tubos, as fotografias, a crueldade das chaves das urnas -, sonha-se - por antecipação ou por trauma -, grita-se porque se quer agarrar o tempo e mandar embora o gelo dos corpos sempre frios antes de tempo, sempre frios demais, um frio que entra na alma para ficar, antecipando o nosso desprezo e abandono do sol.
A morte é uma estranha que convive connosco, o nosso maior pesadelo, o nosso maior risco e, no entanto, a sua consciência é o sinal grandioso de que estamos vivos e temos um corpo.
A nossa morte, a morte do outro. O outro conhecido e amado, o outro longínquo, lágrimas que chegam pela televisão, pelo computador, por uma vista breve de um acontecimento qualquer, e a vida tão rápida a fazer-nos meter a primeira, pegar na trouxa e zarpar...
Não se vive para trás, não se prevê o futuro, não se preparam mortes. Claro há detalhes jurídicos e administrativos, há conhecimento histórico, estatístico, médico ou experiências mais ou menos próximas, mais ou menos ou muitíssimo pessoais. Nessas alturas precisamos de ser abraçados. E de silêncio.
Complicado mesmo é sobreviver, enfrentar fantasmas todos os dias e noites, revivê-los, sobreviver-lhes, encontrar arco-íris de paz entre as lágrimas que chegam, às vezes, das nuvens que nos ficam nos olhos, e o sol quente e vivo e físico que teimosamente insiste connosco em que acreditemos que a vida é bela...

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