quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Amar uma vez por ano

Aterrorizada por esta observação atenta do meu amigo Preca, fiquei a pensar como seria ler um livro por ano. Ouvir uma música por ano. Amar uma única vez em 365 dias. Sorrir apenas porque é dia de Natal. Fazer a paz porque é um qualquer dia Mundial de fazer a paz. Somos assim tão domáveis? O que faz o Homem? A vontade (a paixão) de viver sem vegetar.
Chorar uma vez por ano, porque morreu alguém por quem tem que se verter uma lágrima. Viajar uma vez por ano. Ir ao cinema uma vez por ano. Passear na chuva uma vez por ano. Tudo o resto é nada e rotinas e vidas vagas. Porquê? Nada nem ninguém nos obriga a ser o que não queremos, se realmente quisermos ser nós.
Opções existem. Oportunidades criam-se. Tempo inventa-se. Não me falem do argumento financeiro porque essas pessoas que só folheiam livros sem ler e por obrigação têm gastos e gostos supérfluos muito mais caros. Compro na livraria mais próxima da minha casa livros antigos de capas desbotadas que custam menos que um maço de cigarros. Não, não são os de auto-ajuda, cada um que se ajude a si mesmo e vá à procura pelos seus próprios passos. Não há meios termos para a felicidade, é uma luta perpétua, como se não descansássemos a apanhar pedacinhos de alma todos os dias até o puzzle estar completo e o trabalho terminado. Quando nascemos só nos dão as mãos para procurar.
Não há dias de. Estava cansada ontem e li antes de dormir, um livro de um autor que não conhecia, de quem não gostei particularmente, mas que me surpreendeu, não considero que fosse uma hora de sono perdida, mas um caminho que analisei e com o qual aprendi. Virei o meu volante para outras paragens. Mas pintei mais um quadradinho de pensamento.
É preciso humildade. Dos valores que mais escasseiam, o saber não está em lugar nenhum, não é propriedade de ninguém e não tem categorias. Dá trabalho, é preciso disciplina, não confundir com memória, não confudir com raciocínio, não confundir com capacidade de análise.
Ler e escrever são um casal harmonioso, nada do que escrevemos é nosso, nenhuma procura é descontextualizada do tamanho das mãos que nos deram para procurar. Mas é preciso procurar mesmo. Ou viveremos, quem sabe, uma vez por ano, saídos de uma letargia facilitista e morna.
O que é igual a não-viver.

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