segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Aprender

Sempre do início, aprender a ser. Em cada dia nos encontramos com flores de papel de uma colecção sem cor, de um armário com que sonhámos ou em que nos escondemos. Aprender as letras para ler poesia, os números para contar pessoas, as fracções para partilhar. Abraçar nao se aprende, amar também não. Foi numa escola com escadas compridas e altas, de madeira que cheirava a madeira e a cera das casas velhas onde nada deve ser vivo e estamos lá sem saber porquê. Afinal, as letras já eram parte de mim. Idades sem idade, sabedorias ou ignorâncias mal medidas, a verdade é que todos temos que aprender a aprender. O mais importante, que é voltar ao início cada dia, um novo começo sempre. Cada pessoa uma cartilha, convém que se reconheça, quem tiver ouvidos para ouvir que oiça, que quem passa por nós pode não voltar, vidas tão breves, cada dia uma vida, uma aula cada dia. É preciso estar atento. Deve ser a frase mais repetida quando saímos de casa e quando estamos na escola e quando crescemos e os sapatos nos enformam os pés que querem correr livres e parar só para. Atentos, então. Claro. Não se pára ninguém com as mãos, não se param vidas (separam-se vidas), brinca-se, claro, contam-se histórias, joga-se aos dados com letras que já sabemos, e o desenho nunca é o mesmo do reverso, cada vez novo, cada vez diferente. As escadas revisitam-se e tornaram-se pequenas, degraus fáceis de subir, o chão liso cá fora é que ficou cruel, a professora tem cabelos brancos e a dureza caíu em sorriso com cheiro a saudade, a cera, já ninguém a põe nas escadas, podíamos agora descê-las a correr sem cair e sujar o bibe, mas os sapatos que nos calçaram não deixam. O piano já não fecha sobre as nossas mãos, e as notas soam a passado desafinado, descontrolado (D de dado, onde ficaram os meus irmãos que cresceram). D de desatinado, de aprender por nós as letras que agora se ensinam de outra forma, igual mesmo, igualzinha é a vida que passa em revoada, em tempestade séria de meter medo, donde que o problema deduzo, para não sermos felizes, seja já não podermos trepar para a cama dos pais. Aprender com as crianças que fomos e somos e revivemos, com as que têm d de discriminadas, d de desaparecidas, d de deficientes, d de desejo de um abraço e um pão com manteiga em vez de v de violência ou de violetas sobre uma campa, escondidas de qualquer forma, corpos frios vestidos de branco mármore, a aprender que nada é certo, a ensinar que tudo é fútil excepto.

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