domingo, 10 de setembro de 2006

Proudhon tinha razão, mas também tinha um ofício

"A mocidade vive nas antecamaras do estado como os antigos poetas do seculo passado nas salas de jantar dos fidalgos ricos. Os velhos são agiotas ou servidores do estado. Os moços são bachareis e querem bacharelar ácerca da coisa publica e á custa da mesma coisa ácerca da qual bacharelam. Dizem-se republicanos, democratas, socialistas, fallam muito na organisação systematica do trabalho e nos destinos das classes laboriosas, mas não nos dão em si proprios o exemplo de que o primeiro dever de todo o cidadão que se quer prezar de democrata e de livre é elle proprio bastar para si mesmo, prover pela sua iniciativa a todas as suas necessidades, descentralisar-se, trabalhar só, viver de si, que é o unico meio de não ser explorado e de não explorar ninguem, affirmar-se finalmente na unica fórma da independencia poderosa e legitima, na unica dignidade verdadeira e segura—o trabalho pessoal e livre. A mocidade tem a mais elevada comprehensão dos destinos sociaes, da moral e da justiça. Unicamente a mocidade tem um defeito que ha de esterilisar a sua iniciativa: ella pensa, mas não trabalha. Assim, se pela sua razão ella caminha para a conquista ideal das coisas justas; pelas necessidades da vida ella fica fatalmente na orbita subalterna das simples coisas conquistadas. Antes de traçarmos o etinerario luminoso da nossa alma pelas espheras transcendentes, temos obrigação de aprender a sustentar a nossa besta na viagem. Proudhon tinha razão, mas tambem tinha um officio. E era depois de ganhar livremente o seu pão como typographo ou como caixeiro que elle ganhava livremente como philosopho e como critico as consciencias dos outros pela justiça."
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Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, As Farpas, 1873
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Porquê esta crítica de consciências inertes? Para não responder, que as palavras me faltavam, a quem me perguntou por direitos humanos de integração, nem de propósito, chegada a Lei 46/2006. A ignorância da lei não é argumento pelos utentes, mas também não pode ser cultivada pelos serviços públicos. Não se desliga o telefone a quem precisa, não se remetem cidadãos para serviços de boa vontade sem serem servidos primeiro e dignamente, pelo estado. Deixamos o trabalho para especialistas em ter ideias, em teorizar, em criticar, em argumentar, nada concretizando. Quem espera... à espera continua, que o tempo escasseia, está calor e o trabalho que dá alimentar práticas é muito. Os costumes que se mantenham arrumados a um canto, os consensos tornaram-se fonte de satisfação social. No entanto, da teoria à prática vai um passo de moinho. Contemos, pois, as farpas que nos agridem. E não nos fiquemos pelo debate.

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