Amigos. Palavra branca. Canção. Sonho. Crescimento. Hoje um amigo recordou-me um percurso e uma irreverência. Levou-me, assim, por um caminho dentro de um caminho. Serão isso os amigos, as veredas de paz dentro dos nossos caminhos? Possivelmente. Obviamente. Palavras brancas cheias de pureza e sorrisos e o sol todo. Hoje, a lembrar, em conversa, Manuel da Fonseca.
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Creio que nos silêncios e nos poemas se conhecem os homens. Aqui ficam reflexos de Manuel da Fonseca, em excertos de uma entrevista ao Expresso (a última, em 20 de Março de 1993) em tertúlia com Herberto Helder. E um poema. De resto, nas suas palavras, o melhor é ler o(s) livro(s)...
- "A gente começa a escrever porque são aquelas coisas que acontecem perante o ambiente em que nós nascemos. Quando nascemos somos contra, é próprio de quem nasce estar contra os que cá estão. Toda a arte está contra. Escrevo porque estou contra!"
- "Não tenho a noção do tempo. Quero é estar à volta de uma mesa com uns amigos. Uma vida simples e pura. Ando muito a pé, tenho amigos estranhos, converso aqui e ali, oiço muito, e lá nos encontramos nas tabernas."
- "[Os críticos] são uns senhores muito altos que não sabem do que falam, põem um adjectivo seguido de outro com um ponto de exclamação a meio, e nós não percebemos nada. O melhor é ler o livro!"
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"Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, bricar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebecem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.
Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do senhor administrador!
Em toda a vila,
se falou, logo, num caso de política;
o senhor administrador
mandou vir, da cidade, uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário,
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...
Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!"
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Manuel da Fonseca (1911-1993)
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