Ler nas férias, ler livremente, ler sempre, com os olhos do rosto, na ponta dos dedos, ouvindo ideias que se conceptualizam e tornam letras ou sonhos ou ideias novas. Projectos de louvar, o da República Popular da Cultura, como este. Ler é fundamental, não a beleza, ler é a beleza das ideias e dos sonhos que se constroem, é a varanda para a liberdade de pensamento.
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Quem escreve, faz amor com o público - que direitos de autor? - quando é real, o amor não se paga, não se prostitui, dá-se, entregam-se as letras como os corpos e recebem-se sorrisos e ideias e novos livros de volta. Escrever para outrém é sempre um ponto de não retorno, belo porque constitui uma abdicação do egoísmo de pensar sem dar, não há mesmo pensamento fora da escrita, que nunca a escrita seja, pelas nossas mãos, uma prisão. Antes que anoiteça e nos esqueçamos de ser crianças todos os dias e de viver todas as vidas num dia só...
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"...quero jogar pingue-pongue com o meu irmão João, quero ler Júlio Verne, quero ir à Feira Popular andar no carrocel do oito, quero ver o Costa Pereira defender um penalti do Didi, quero trouxas de ovos, quero pastéis de bacalhau com arroz de tomate, quero ir para a biblioteca do liceu excitar-me às escondidas com a «Ruiva» de Fialho de Almeida, quero tornar a apaixonar-me pela mulher do faraó nos «Dez Mandamentos» que vi aos doze anos e a quem fui intransigentemente fiel um verão inteiro, quero a minha mãe, quero o meu irmão Pedro pequeno, quero ir comprar papel de trinta e cinco linhas à mercearia para escrever versos contadas pelos dedos, quero voltar a jogar hóquei em patins, quero ser o mais alto da turma, quero abafar berlindes."
António Lobo Antunes, "Antes que Anoiteça" in Crónicas
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