sexta-feira, 1 de setembro de 2006

Auto-retratos


Para quem goste de fotografia, o estudo de identidade é recorrente. Identificamo-nos em objectos, em textos, em identidades para além da nossa ou decorrentes da nossa, relações de causa-efeito físicas e emocionais, tudo o que nos toca de bom.

Os filhos são parte de nós e nós parte deles. Indissociáveis. Exigimos mais do que damos, tanto a aprender com quem sai de nós para o mundo ou talvez quem o mundo retire do melhor que haja em nós. Filhos partilham-se, ensinam, emprestam sorrisos, ajudam-nos a crescer, educam-nos, arrastam-nos, páram o tempo e revolucionam-no, piratas que transbordam de ternuram, viram a mesa ou o banco, nos tiram do sério e nos levam a sério, mas sempre a brincar.

Filhos são um privilégio, nossos ou dos nossos (amigos, amores, pessoas) porque nos completam, surpreendem, agridem com carinho em toneladas, formam, refrescam, adoráveis pestes que nos cercam e completam.

Conduzem-nos por caminhos fantásticos, atam os fios que ficaram por atar ou que esquecemos de agarrar melhor na nossa infância, agarram as mãos, abraçam de repente, recusam a sopa mas não o gelado, sabem optar, têm vontade, muita vontade de ser eles e sentimo-nos tão mal quando lhes temos que ensinar a sobreviver de outro modo que não o modo-bicho tão querido com que nos chegaram aos braços.

As crianças são sempre a nossa identidade, não é à toa que as árvores têm raízes para não cair, não é à toa que a prata e a luz fazem imagens de sonho e sonhos de imagens, projecções de filmes ou de futuros, de presentes doces, de beijos cheios de rebuçado, de mãos sujas de brincar, de roupas rotas e joelhos esfolados, apetece-me tanto fugir de triciclo outra vez e já tenho a geração seguinte no carro ao meu lado, cadeirinha arrumada no porta-bagagens para os filhos dos amigos, para os sobrinhos, para a minha lembrança de lhe pegar ao colo para colocar no carro, como se fosse de vidro, ele - o meu filho - que agora me passa - ainda hoje - o braço por cima dos ombros e me guia por caminhos desta Lisboa de descoberta para espaços de partilha de interesses e sentimentos.

Auto-retratos sempre, Matilde ou João ou Teresa ou Francisco ou Pedro ou Maria ou Inês, no segundo caso os olhos idênticos, o sonho maior e mais puro, as aulas tão grandes, os abraços tão doces. Identificação. Reconhecemos orgulhosamente o que devíamos reconhecer agradecidos. O privilégio de nos espantarmos com pedaços de nós que reconhecemos em outrém, como numa história de amor sempre bela porque inacabada.

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