sábado, 17 de junho de 2006

Raízes 2

Todos temos e precisamos de raízes. Mesmo das que voam. As minhas estão dispersas cá por dentro, entre sons de vozes de amigos, as mãos do meu pai a segurar os meus passos, os pedais do meu triciclo, o meu irmão Francisco a tocar piano de manhã ( é bom ouvir a Sonata ao Luar em pijama), o escuro e o claro de cada canto da casa dos meus pais, o amanhecer e a noite de cada um dos meus dias. Todos os sons e cheiros da infância se (re)constroem nas nossas memórias e a nossa capacidade de voar pode fazer delas uma identidade, se não estável, bonita.

As raízes não se encontram no espelho, mas de olhos fechados. Pés na terra, cabeça solta, meninos doidos de José Régio, enchendo as lágrimas de todos os dias do vento que bate na cara e nos faz viver. Andar descalços na relva fresca, ler na praia ao fim do dia, trepar à rocha mais alta, abraçar com força os amigos como se os encontros ou as despedidas fossem os primeiros e os últimos. Enviar um anão de barro a dar a volta ao mundo como Amélie, só para dar coragem a alguém para sonhar. Dizer sim a tempo de ser feliz, e também não ter medo de dizer não. Amar muito, tudo, sempre. São as memórias que fazemos todos os dias castelos de cartas sólidos e preciosos.

Para hoje, basta-me sonhar com as raízes que tenho, frágeis, baralhadas, em crescimento, revoltas em si mesmas, sem redoma, à chuva, ao sol, ao luar. Sou eu mesma. Vou fechar-me em mim, à sombra amiga e segura dessa árvore das memórias, e esperar calmamente o amanhã que desconheço.

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