terça-feira, 8 de agosto de 2006

Bom dia, Carlota

Turner, Sunrise, 1797


Bom dia, pequenina. Viste o teu primeiro nascer do sol? Vou-te visitar hoje, se achares bem. Nascer é complicado e doloroso e depois há sempre o choque de não se perceber bem quem são as enormes pessoas que nos agarram e nos tocam e nos levam.

É passar da água ao ar, iniciação de meio, da serenidade ao choro, sentimentos extremos, de fusão com um corpo conhecido para voos impensados em mãos estranhas que nos tocam e agarram e puxam e ferem. E os sons tão mais nítidos cá fora, mundo agressivo, vens preparada?

No dia em que nasceste partiram outras pessoas, estação de comboios estranha, esta que agora começaste a partilhar. Também nasceram outros pequeninos e pequeninas. E há umas guerras por aí, mas isso é uma palavra que só vais perceber mais tarde, se a chegares a perceber (eu ainda tenho dúvidas do que é ao certo, só sei que dói).

Há coisas bonitas no mundo, Carlota, que te posso dizer? Vale a pena estares por cá. As companhias por vezes não são as melhores, no teu caso são fantásticas, tens uma família doce e muitos amigos que te amam, foste muito desejada, inesperada Carlota, vais ser surpreendente. Também eu apareci assim na vida, de repente, não mais que de repente. As cegonhas sentem-se acolhidas em casas cor de paixão. Mas depois falamos de poesia que é algo de belo e saboroso para tardes e madrugadas.

As pessoas, bem, são meio estranhas. Podem ser como as flores, com espinhos, com aroma, com beleza, agressivas, apelativas. Normalmente carentes de água, convém regares com amor. Tem o mesmo efeito e torna tudo muito mais bonito.

O mundo é uma bola, embora andemos todos para a frente, sobretudo as pessoas crescidas que gostam de mapas e de direcções. Acredita, é bom andar em círculos quando precisamos de pensar, virar nos atalhos cobertos de hera, seguir sem fim caminhos tapados com copas de árvores.

Acho que vais gostar disto, por aqui. Pode ser que mudes esta bola azulita para um planeta em forma de sorriso. Cada um de nós pode ser mais inesperado que pensa. Sobretudo é sempre mais inesperado que os outros acreditam.

Conto contigo, Carlota, para me dares uns beijos, para encheres a minha casa de chocolate e gomas e risos, para já, agorinha mesmo, queria muito contar contigo no meu colo, amiga que tarda ver, acabada de chegar ao mundo.

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