De repente lembrei-me, de melancólica que estava, de alguém que me faz falta, a minha melhor amiga, Catarina, sabor de maçã e de gargalhada. Conhecemo-nos em outubro de 1988, morreu em março de 1992. Na primavera, na sua ilha - S. Miguel. Despedi-me dela em Lisboa, em Telheiras, tínhamos almoçado juntas, acompanhou-me ao carro, sabíamos que não nos veríamos mais, eu seguia para Coruche, ela, no dia seguinte, para os Açores. Por uma vez não me pediu nem eu me ofereci para a levar ao aeroporto. Em quatro anos deu-me tudo o que alguém amigo pode dar numa vida, em quatro anos viu-me crescer e viver, eu vi-a criar os filhos, ficar doente, divorciar-se, rir-se da vida como ninguém. Descobri caminhos de hospital inimagináveis de cada vez que era operada. Descobri uns pais fabulosos (pensava que eram só os meus). Ensinou-me e aconselhou-me e ouviu-me. Fizémos quilómetros juntas no volkswagem do meu pai. Fizémos loucuras. Saímos juntas do trabalho durante este tempo todo, tanto tempo e tão pouco, sempre, fomos buscar a Ritinha ao infantário, o Zé António à escola. Catarina, Catarina, hoje quem tem filhos sou eu, hoje sou eu que vivo tanto do que me disseste. Fizeram-me falta as tuas lágrimas e os teus risos em tantos momentos e estiveste sempre lá com a tua força, fazes-me falta agora. A única pessoa que me chamou Micas, que conversou comigo até nascer o sol em casa dela, na minha, na rua, no trabalho. A mulher a quem eu li um envelope com o resultado de uma mamografia porque os olhos fugiam e a mão tremia - nunca mais te vi tremer, querida - e era positivo, o resultado, era positivo, e conheciamo-nos há uma semana, e eu não queria ler, queria apagar, podia ter tentado e as letras fugiam e a minha amiga ainda estaria comigo hoje, não acham? Hoje, que estou triste não sei porquê, porque há dias em que não cabemos em lugar nenhum e tudo nos falta e falta-me tanta gente, mas falta-me muito a Catarina, até porque faltaram depois outras pessoas e aconteceram outras coisas e ela não estava ali para me explicar, não está aqui para me explicar como se vive, como se morre, como se luta. Com sabor a vida, linda até ao fim, saíndo da quimioterapia e rebocaram o meu carro e o que vamos dizer ao teu pai, Micas, estamos lixadas... Com a gargalhada rápida em que vieste e foste, que deixou estrelinhas daqui ao infinito e um soluço até hoje por sair aqui tão fundo que voltava mesmo atrás para apagar o positivo e podia ser que não fosse nada e viesses jantar cá hoje e tudo como sempre, única, vou ter saudades do teu sorriso.
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