Quando o mar está liso e não queremos pensar, é bom nadar contra o horizonte que não sabemos bem onde fica. Talvez por isso goste de nadar sob as ondas. No fim, aragem de fim de tarde, a compensar os dias ardentes que temos sentido. Entre arrepios, areia e sal, pouca gente à volta- as pessoas suficientes para partilhar sonhos que não se perturbam nem se enredam - os olhos saltaram do nada que gosto de percorrer para umas mãos de criança, uma delas nua, redonda como a lua cheia, dedos pequeninos, que bom, a areia dos sonhos não escorre tão depressa, o pouco que agarramos fica. Outra com uma luva de cirurgia. Ecologista em miniatura - não passaria dos dois anos - entretinha-se a apanhar o lixo da areia e a correr, com a pressa de salvar o mundo e os ideiais antes que crescesse numa tarde, num minuto, para depositar cada papel de gelado, cada cigarro, nos grandes baldes de lixo azuis. Que, como todas as coisas da infância, são sempre grandes demais, habitantes dos solos, perspectiva grande do mundo, o que os adultos não perdem por não olhar tudo com humildade... Quando saí da praia o sol baixava já, havia uma camisola enfiada por sima dos calções, a brisa arrefecia mesmo aquele pequeno idealista. A luva tinha sido soprada e era agora um balão com dedinhos, com que jogava sózinho, para o ar, para o mar, o mar devolvia (devolve sempre, coração grande, nós é que nem sempre sabemos aceitar o que é devolvido). Cheguei a casa com sal no corpo e um sonho nos olhos. Podemos usar e ser usados, ser úteis ou banalissimemente inúteis e lindos. Como uma luva que veste uma mão que limpa o mundo dos grandes para depois nele brincar à vontade, bola de criança toda sorriso.
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